TE AMO DESDE A PRIMEIRA BORBOLETA

Saturday, February 25, 2006

A primeira borboleta apareceu no dia em que Jonas conheceu Camila. Era verde, por isso chamou a atenção do rapaz. A borboleta, não a mulher. Ele estava sentado no banco da praça, como fazia todas as manhãs nos últimos 15 anos, desde que a consciência de sua solidão tornou-se pesada demais. Sentava e cumpria o seu papel de homem velho e solitário; sentia-se fazendo um bem à humanidade desse jeito. Seu avô foi um homem solitário, assim como seu pai e um irmão de sua mãe. Tem-se notícia também de um parente que teve papel importante na corte durante o Império. Todos bons sentadores de banco de praça.

A borboleta, insolente, pousou na ponta do nariz pontudo de Jonas. Aquele borrão verde que atrapalhava a leitura de seu jornal parecia um grilo. Jonas tinha medo de grilos! Um tapa mal calculado gerado por uma afobação desmedida acabou por quebrar-lhe o nariz. E toca pro pronto socorro consertar o nariz pontudo.

"Maldita borboleta verde, quis dar uma de grilo e quem se deu mal fui eu" disse Jonas se dirigindo à borboleta que o seguia até o hospital, como que a escoltá-lo como uma forma de se desculpar.

Saiu do hospital, sempre com sua acompanhante borboleta, com uma tala no nariz e uma saudade enorme de seu banco, pra onde correu sem demora. Ainda faltavam 40 minutos para o meio dia, poderia aproveitar o resto da manhã admirando a sua própria solidão. Mas ao chegar na praça, quase pensou em voltar correndo ao hospital. Faltou-lhe o ar, a pressão caiu, sentiu que ia dessa pra melhor. Enfim, Jonas se apaixonou naquele exato momento. Sentado no seu velho banco estava uma senhora com seus cinqüenta e poucos anos já vividos, o cabelo querendo ficar branco e uma solidão que seria capaz de engolir a de Jonas. Depois de uns cinco minutos de completa pasmaceira (poderiam ter sido quarenta e cinco, pra que serve o tempo nessas horas?) Jonas fez o que era de se esperar de um homem apaixonado: fugiu apavorado e tomou o rumo de casa. Acompanhado de sua borboleta verde, é claro.

Passado o dia e uma noite agitada, Jonas acordou com nova borboleta borboleteando sobre sua cabeça. Agora eram duas a infernizar sua vida, como se não bastasse a senhora solitária que teimava em não sair de sua lembrança. Qual seria o nome dela? O que ela fazia sentada naquele banco? Seria também de uma linhagem de gente sem ninguém? Sentou-se à mesa do café da manhã com suas duas visitas e tomou o seu café preto sem açúcar de todo o dia. Vestiu um abrigo por cima do pijama e correu em direção ao seu banco de praça, na esperança de encontrar de novo a senhora do dia anterior.

Não encontrou. Passou o dia inteiro esperando, mas a mulher não deu as caras. E agora, todos os dias de sua vida, Jonas passa esperando a mulher que tem uma solidão maior que a sua. E a cada dia que passa, uma nova borboletinha verde se soma à comitiva que o acompanha. Pode-se medir sua espera pelo número de bichinhos voando sobre a sua cabeça (são 78 hoje) e pela prostração que apresenta sentadinho em seu banco, fazendo força pra guardar aqueles únicos cinco (ou quarenta e cinco) minutos em que teve seu amor preso no olhar.

1 comments:

Clara Camargo said...

Querido que coisa mais linda... postei mais coisas... algumas meio clarice... leia quando puder. beijos

 
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