SUA SALA DE DANÇA

Thursday, December 29, 2005

Flávia dança no escuro. Teve tempo para praticar, pois é só o que faz desde os 11 anos de idade, e isso já foi há 7 anos. Ela já sabe bem o que fazer, sem nunca ninguém ter ensinado. Gira e gira até criar um mundinho só seu: onde a luz nunca deixa de brilhar, a cortina nunca fecha e as pessoas nunca param de aplaudir.
Seu figurino é sempre o mesmo: um maiô roxo com uma estrela dourada no peito e uma saia rosa que dança junto com suas piruetas. A meia calça é verde e furada no pé, porque Flávia não precisa de sapatilhas. E com essa estranha combinação de cores, ela se torna a mais bonita bailarina que você poderia imaginar. De verdade! O cabelo solto e despenteado e um sorriso sincero com um canino torto são os acessórios que terminam seu desenho caprichado.
Flávia não precisa de música para dançar. Seus movimentos já compõem toda a trilha necessária. As notas que faltam, eu tento cantar bem baixinho no ouvidinho dela, um jeito de quem sabe ela me achar no escuro da sala de dança. Assim ela mexe braços e pernas, joga o cabelo, pula de um lado pro outro mostrando que extraordinário mesmo é poder amá-la.
E você acha que ela só sabe dançar? Ela toca violino também! Ou era piano? Flauta doce? Faz das notas um abraço apertado, um beijinho no cotovelo, uma pontinha de dedo descansando dentro da sua orelha. Uma risada gostosa que brinca de acompanhar o instrumento.
O mundo fora da sala de dança não parece ser tão legal. Ou pelo menos não foi bom o bastante para segurar uma bailarina tão talentosa. Aqui não tem abraço apertado, nem beijinho no cotovelo. Mas tem um menino que só sabe chorar quando é tarde demais...

EUREKA

Tuesday, December 27, 2005

Na verdade me ocorreu,
num lapso de consciência e vergonha na cara,
uma idéia de peso, daquelas
que quando se ouve, o coração pára.

Não me custou um tostão,
não corri, não matei, nem precisei ficar rouco.
Só me bastou receber tal idéia
através de esforço que se aumentasse virava pouco.

Juro, tentei procurar
falei pro mundo inteiro a nova verdade,
mas parece que ninguém se interessa
por algo que nunca foi novidade.

Se bem pensar, parece lógico
como tentar do três achar o quadrado,
mas, por favor, me dê um desconto
porque sou burro e apaixonado.

Muita coisa agora se explica:
as dores no peito, o enjôo e a melancolia.
Não me preocupam mais a insônia,
o choro, a febre ou a cabeça vazia.

Essa idéia fabulosa,
a conclusão que me acometeu,
foi que nessa nossa história,
quem ama mais aqui sou eu.

EM QUATRO SEGUNDOS...

Monday, December 26, 2005

Formou-se um sorriso sem graça
diante da luz fraca do carinho
que ele podia jurar que seria sempre seu.

Existiu um suspiro
num crescente de expectativa
que no quinto segundo morreu.

Fechou-se um acordo:
eu te amo pra sempre
e você me traz a verdade que ninguém conheceu.

Caminhou três passos
trazendo pra perto
o calor que há tanto tempo esqueceu.

Envelheceu a eternidade de estar onde não queria.
Cresceu na fraqueza de dizer o que não sentia.
Encontrou na dor uma cama fria e macia,
pra dormir um sono que já não cabia.

Parou um instante a pensar
que num mundo de ritmo e melodia, na sua vida
em quatro segundos, nada aconteceu...

BRIGA DE UM SÓ

Pensa.
Vai, pensa.
Que sabe o coração que teima em te puxar?
Pensa.
Isso, pensa.
Porque pra dor de cabeça tem remédio.
Sente...
Não! Não, pensa!
Concentre-se no que não tem importância.
Pense.
Não sinta.
Que assim a dor parece não ser sua.
Ama.
Não...Foge, foge!
Sem parar nem mesmo pra rememorar.
Sonha.
É, sonha...
Porque é só o que resta aos que não conquistam.
Solta
Deixa
Calma
Veja a loucura que existe nesses versos.
Voa...
Que do alto tudo parece ser menor.

COMO SERIA BOM VIVER DE BRISA

Sunday, December 25, 2005

BRISA
Vamos viver no Nordeste, Anarina
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
vamos viver de brisa, Anarina.
(Manuel Bandeira)

Fugir, correr disso e para aquilo. Garantir na leveza a sua felicidade. Buscar no vazio o que te falta entre os pertences. Preencher o espaço de alma, movimento, criação, desconstrução. Deixar um corpo torpe e sua gravidade para trás e partir num leve bailado. Fazer da melodia o trilho seguro que o leva para um destino incerto. Era muita coisa pedir isso?! Ele, que estava disposto a oferecer tanto em troca, não merecia esse pequeno favor? Pois é, parece que não. Pelo menos era bem difícil deixar seu corpo torpe enquanto aquela gravata apertava seu pescoço sem piedade.
"Pô, o que te fiz?".
"Ah, nada...".
"Aposto que é porque gravata não sabe cantar...".
Também, de que adiantava tanto talento naquele lugar? O seu chefe de departamento pouco se importava se ele chegava até um Si bemol (ele estava tão feliz com o seu novo Si bemol...), queria era ver se o caixa não apresentava nenhum desfalque no final do dia. Os clientes que estavam na fila mal olhavam na sua cara, como iam perceber algum talento naquele pobre homem engravatado?
Aquele trabalho o sufocava... Mas pelo menos tirava sua mãe de sua jugular. Dona Maria sonhou em ter um filho advogado. Ela jura que foi por causa da lua na noite da concepção que seu filho nasceu pra ator. Tentou explicar ao marido que uma prima de uma tia sua concebeu em noite de lua minguante e o filho nasceu careca e careca ficou até os doze anos de idade. Mas vai segurar o Seu João depois de três ou quatro cervejinhas. O homem ficava inspirado. E Dona Maria não era boba de sair correndo...
Viver de brisa era tudo o que ele mais queria.
"Ator?"
"É mãe, ator... Sabe, eu canto, represento..."
"Mas nem bonito você é, vai morrer de fome!"
"Mas mãe, sabe que eu sinto que até levo jeito pra..."
"Pronto, era só o que me faltava. Um ator na família! Mas nem bonito você é! Vai viver de brisa é, mocinho? Vai, me fala: você é gay? Ah, um gay na família! E ator!"
Que pagassem em brisa! Ele é bom, sabe disso... Encheria sua casa de sacos e mais sacos de brisa... Encheria o cú de brisa pra falar a verdade. E estaria feliz, porque nenhuma gravata se atreveria mais a segurar aquele Si bemol que ele batalhou tanto pra conquistar.

 
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