SONORO

Sunday, October 29, 2006

De uivos babados
E gritos ao vento
As bocas se fazem zunir
Vazios urrados
Como um sofrimento
Que o coro se encanta em sentir
Como alcatéias
Latindo, sedentas
Por algo que nunca entenderam
Cospem cefaléias
Gerando tormentas
Matando o que não mereceram
Aqui do meu canto
Escuto o pranto
De corpos suspensos no ar
É tanta voz rouca
-Que calem a boca!
...
... eu quero o silêncio a cantar...

EU QUERO FAZER UM SONETO

Sunday, October 22, 2006

Uma ilha de secreta poesia!
Que nos guarde entre frases sempre soltas
Uma a uma lapidadas ao sabor da maresia.
(Como as ondas, que só se amam revoltas).

A palavra que te faça sempre minha!
Que nos baste, posto que é verdadeira
Que se afaste, sem olhar pra onde caminha
(Nos deixando ao silêncio de alma inteira).

E enfim, sozinhos, nos faremos lentos
Para que dure enquanto possa o amor vivido
Tão eterno, que se torna esquecido.

Aqui ficamos, sob os caprichos dos ventos
Nesta terra de amor fácil e sem motivo

Num soneto que, em ti, me deixa vivo.

LÁ E CÁ, CÁ E LÁ

Saturday, October 14, 2006

Tulino vivia de imaginar história. Não quero dizer que ele fazia isso o dia inteiro, quero dizer que tirava seu sustento de inventar história pros outros mesmo: 8 horas por dia, 5 dias por semana.
O garoto era dos bons. A pessoa desimaginada chegava pro Tulino, tocava a campainha no balcão e gritava: “Tô procurando um sonho!”. E lá vinha o Tulino, com seu ar de serenata. Anotava o pedido num caderninho Tilibra de papel reciclado (pra combinar com a constituição dos sonhos) e prometia a história pra dali a uma semana. Cobrava depois da entrega, sem preço tabelado ou indexado: o cliente pagava de acordo com a satisfação. “Que burro!” Que burro que nada, as pessoas ficavam tão satisfeitas com a história que pagavam muito mais do que o Tulino estava disposto a cobrar.
Começou cedo, aos cinco anos. A Tia Anita, viúva choramingueira, vivia clamando em alta voz a falta que o falecido Tio Nonato fazia. Tulino não sentia falta dele não; odiava aquele bigodão imenso que Tio Nonato trazia acima dos beiços e que vivia habitado por restos de comida e espuma de cerveja. Ou um, ou outro. Mais o outro que o um. Mas querendo agradar a Tia Anita, o pequeno Tulino começou a contar uma historinha linda sobre Tia Anita e Tio Nonato namorando na praia, o mar fazendo espuma na areia (ai, a espuma da cerveja no bigode...) e os dois fazendo questão de se amar. Pronto. Foi só o que precisou pra Tia Anita mudar de vida: abriu pensão na praia e nunca mais choramingou. E Tulino encontrou uma profissão.
A carreira acabou quando Tulino se apaixonou. O problema não estava em se apaixonar. Claro que não, coitado! O erro dele foi se apaixonar por quem não queria nada de nada. A moça de Tulino saía correndo do amor como matuto de assombração. Tulino prometeu pra ela os sonhos mais lindos que ele pudesse imaginar. E de graça! Prometeu trazer pra vida dos dois o que ele tinha imaginado dentro daquela cabeça toda apaixonada. Mas quem disse que adiantou alguma coisa? A fujona escapuliu e ainda deixou pra trás um desafio: “Não me encontras nem em sonho!”.Foi aí que tudo desandou. Tulino foi na mesma hora pro seu escritório; quem ela pensava que era? Nem em sonho é? Pois ela que aguardasse: ele teria os sonhos mais bonitos e mais variados do mundo, todos só com ela e ninguém mais. Teria sonho de casamento, sonho de reconciliação, sonho de namorinho no cinema, sonho de velhice conjunta, sonho de nascimento do primeiro, do segundo e do terceiro filho e até teria sonho erótico de Tulino e sua moça. Acontece que foi ele deitar pra nunca mais levantar. Não é que a moça cumpriu a promessa? Não apareceu mesmo nos sonhos de Tulino. Sumiu do mapa. Tomou chá de sumiço. Escafedeu-se. Tulino dorme até hoje procurando a moça e tem gente que diz que ele nunca vai encontrá-la. Dizem que algo improvável aconteceu. Não é que a moça finalmente se apaixonou? Foi por um moço engravatado que veio da capital. Agora, enquanto Tulino a procura do lado de lá, ela vive seus sonhos do lado de cá.

PODEM ATÉ SER POSTIÇAS

Saturday, October 07, 2006

Eu sempre quis ter unhas compridas. Bem compridas mesmo, qui-lo-mé-tri-cas. Mas eu não consigo... Unhas respeitáveis, fortes, de moça chique. Não essa unha carcomida que eu carrego pra lá e pra cá. Quero unhas desatadoras de nós, sabe? Nó de marinheiro, nó de cadarço, nó de gravata, nó de tudo o que é coisa amarrada. São tantos...
Ia começar desfazendo o nó na minha garganta. Tá ouvindo minha voz assim, qualquer coisa? Sou daquelas pessoas com a voz naturalmente embargada, de quem só precisa de mais um beliscão pra chorar. É o nó no meio do caminho das palavras. Minha avó falou que é nó nas cordas vocais, mas nada me convence de que não é nó no “eu te amo”. Eu quero falar “eu te amo” mas o nó não deixa; a frase entala na garganta e não sai nem com tapa nas costas. Engasgo pra falar e, quando finalmente consigo arrancar a frase do gogó, meu amor já carregou seu ouvidinho pra outro lugar e ela cai estatelada no chão.
Depois, eu ia desatar o nó no meu peito. Esse incomoda, viu? É nó dos grandes, tão grande que não sobra espaço pro ar dentro do peito. Fico ofegante por falta de espaço e excesso de nó.
Por último, depois de estar bem craque na arte de desatar nós, eu ia desatar o nó que tem na cabecinha do meu amor. Ele diz que não fica aqui comigo porque tem um nó na cabeça. Coisa complicada, que precisa de solidão pra resolver. Como assim?! Me diz se eu tô mentindo: sempre que a gente não consegue desatar um nó, pedimos pra boa alma ao nosso lado que faça o favor de. Tô mentindo?! Pois então!
Amor, eu tiro esse nó pra você! Deixa só a minha unha crescer! E vai ser perfeito porque meu “eu te amo” já vai estar saindo da garganta de baciada e meu peito vai ter muito espaço pra eu suspirar de felicidade.

Pronto, tá decidido. Agora eu só preciso parar de roer as unhas...

QUE NEM GELATINA

Sunday, October 01, 2006

Balança tudo, Rosinha! Você encosta em mim e balança tudo! Balança o peito, balança a cabeça, balança as pernas, balança a vergonha de te roubar pra mim. Acha que posso com isso?! Posso não! Tá louca? Tenho as pernas fininhas, o peito fraquinho e a cabeça cheia de idéia que dá calor. Calor, Rosinha, muito calor! Você encosta em mim, o corpo balança e PÁ, a cabeça esquenta. Daí pro corpo todo fumegar é ponto contado! E você sabe como o calor traz perigo, Rosinha. O calor inquieta o corpo, deixa a roupa apertada que fica difícil de usar. Dá vontade de arrancar tudo e vestir só a Lua. A Lua de lençol e a gente cobrindo-descobrindo as nossas vergonhas embaixo dela. Guarda isso, Rosinha: calor dá perigo e perigo dá calor. Aí tudo se perde. E tudo que eu digo é a cabeça, Rosinha. A gente perde a cabeça lá pra trás, nem lembra onde deixou e nem quer procurar mais! É muito pra mim, Rosinha, posso não... Acha que posso?

...


Rosinha...



Ah, Rosinha...


Dê cá um abraço, vem?

 
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