MEU CAMPO DE GIRASSÓIS

Saturday, January 17, 2009

Até o dia em que saiu nu e não encontrou ninguém na rua. Ninguém. Decepcionado com a falta do reboliço que pretendia causar, caminhou pela vizinhança em busca de testemunhas. Caminhou quilômetros sem encontrar ninguém pelo caminho. O sol não agredia sua pele, mas chegou a pensar que teria escolhido um bom calçado se soubesse que enfrentaria tamanha caminhada. “Não, que eu esteja nu até a planta do pé”, e não mais considerou a idéia.
Chegou à outra ponta da cidade e lá, como cá, não havia ninguém. Gritou, chamando nomes aleatórios na esperança de que alguém confundisse o chamado com algo importante e desse as caras na rua. Mas, das casas ao redor, ele só recebia de volta o silêncio inerte das portas fechadas. Aquela indiferença mais o intrigava que o incomodava e, por produto inesperado daquele silêncio, surgiu uma sensação intensa de que estava sendo desafiado. “Não é possível que não me vejam aqui nu em pêlo”, pensou sorridente, “estão a me pregar uma peça.” E, como se estivesse numa brincadeira de esconde-esconde, começou a revirar cada canto da cidade. Invadiu casas, olhou embaixo das camas e dentro dos armários, abriu gavetas e revirou malas, explorou latrinas e fornos. Entrou em cada casa existente na cidade e não encontrou um par de olhos que se dignasse a presenciar sua nudez.
Irritou-se. Que brincadeira era aquela? Quem haveria de ter lhe adiantado os passos do insulto nu e avisado a tudo e a todos que escondessem suas vistas? Terminava de confeccionar sua lista de suspeitos quando se deparou com a única casa da cidade que ainda não tinha revistado.
A porta desta, como das outras, estava entreaberta, como se os seus ocupantes tivessem batido em inesperada e não planejada retirada. Repetiu a revista que tomou quase todo o seu dia e, uma vez mais, deu-se com uma casa desabitada. Nem as fotos estavam dentro de seus porta-retratos. Até os espelhos haviam fugido das paredes. A solidão que habitava era tamanha que, quando viu que amanhecia e resolveu voltar para casa, teve que olhar para baixo para ver o próprio corpo nu e recordar como era a forma humana que esteve buscando desde o dia anterior.
Chegou em casa e vestiu seu melhor traje: um terno herdado do pai falecido havia 3 semanas. Juntou o que pode em duas malas e partiu, decidido a deixar pra trás a cidade deserta que o deixara sozinho. Feliz por não ter que se despedir de ninguém, abriu a porta de casa. Sua viagem, no entanto, durou apenas três passos além da porta de casa. Ao abrir a porta que revelava a rua, deixou as duas malas que carregava caírem num soco surdo no chão da varanda, sem saber se ria de nervoso ou se gritava de alegria. Na calçada, enfileirados, todos os habitantes da cidade estavam nus, deitados no chão, com suas barrigas voltadas para o sol que se colocava alto no céu, como que para observar satisfeito seu campo de girassóis libidinosos.
O homem deu os três únicos passos que haveria de dar para fora de casa e, derrotado, fraco e envergonhado, afrouxou a gravata e abriu o primeiro botão da camisa, preparando-se para ficar admirando aquela paisagem eternamente.

 
VIVER DE BRISA - by Templates para novo blogger