PRÓXIMO!

Wednesday, March 28, 2007

A morte é uma coisa assim metida. Ela não avisa que vem, e quando vem também não fica. Só passa. Passa e leva alguém com ela. Vem a hora que quer, sai a hora que bem entender e leva embora quem achar que deva. Faltava cuspir na nossa cara no caminho.
A Elo era bem gordinha. O inha vem muito mais do carinho que eu sinto por ela do que das suas proporções. Era quase um círculo perfeito: em pé ou de lado, tinha quase a mesma altura. Não tínhamos muito contato, a Elo era a camareira de uma peça da qual participei. Mesmo assim, seu riso fácil e seu incrível super-poder de organizar sozinha as roupas de mais de 20 atores me conquistaram sem remédio.
Todos os deboches que ela provavelmente escutou por ser gorda, todas as piadinhas, todos os amores rejeitados, todos os vestidinhos lindos que não entrariam jamais num corpão daquele e mais um milhão de motivos que, como os citados, eu nunca tive a oportunidade de ouvi-la confessando, levaram-na à mesa de cirurgia para redução de estômago. Foi daí para o céu.
É assim que a morte faz com a gente. Vem comendo pelas beiradas. Vai levando gente que a gente nem se dava ao trabalho de lembrar no dia-a-dia, depois leva alguém próximo, mais próximo, mais próximo... Até o próximo ser a gente mesmo, até estar quase batendo na porta da frente.

E o que fazer até lá? Pensar na estupidez das incertezas da vida, escrever um texto curto pra fingir de epitáfio e limpar o cuspe que me escorre a cara com um lenço de arrependimento, nostalgia e alienação.

EU FALO BOM DIA E ELA TREME TODA

Sunday, March 18, 2007

Tinha cara de azedo. Ou de cheirar pum, não sei bem. O cantinho da boca naturalmente levantado dava a ela um arzinho de asco, uma cara de quem comeu da vida e não gostou. Tinha também todos aqueles vincos pelo rosto; marcas de expressão que pareciam ter sido roubadas de outra pessoa. E mais: tô pra conhecer mulher mais grossa.
Imaginá-la pelada era impossível. Pelo menos para mim. Beijando eu também não visualizava. Disso, conclui ser ela virgem. Quarentona e virgem. Não acredita? Não tenho como provar? Taí a carinha de peido. Taí a marca de expressão tão funda que quase sangra. Taí, principalmente, a falta de gentileza.

Ela não sabia que ser gentil era a melhor forma de bolinar outra pessoa sem levar um safanão.

O TEU SONETO

Monday, March 12, 2007

Não me estranhes tão ausente e pensativo
Distante, como luz mais fugidia
Saibas que assim te enxergo minha
Tão interna, tão sozinha a me procurar.

Não me acordes de minha vida imaginada
Deixe a consciência em falta me cuidar
Que nesse torpor constante eu seja eterno
E o meu coração, o inferno que eu fiz de teu lar.

Espero, em meus sonhos paciente
O dia em que o amor latente
De tão vivo se coloque a dançar.

Quando, enfim, te direi admirado
Por te amar, mesmo acordado:
- Não preciso mais dormir pra te sonhar.

DEI A ELA PÍLULAS DE POLEGARINA

Sunday, March 11, 2007

Não sei se o que a fez pequena
Foi a distância que agora existe
Entre nossos corpos, antes sobrepostos
Talvez seja porque cresci
Longe do antigo peso a me curvar
Ou foste tu que diminuíste
Não só porque te vejo longe
Mas porque te vejo

Só sei que você, antes tão gigante
Agora como bibelô
Se resume a um destino só:
Ser diminuta e irrelevante
Restrita à sua importância
De, num canto, ir juntando pó.

ALUGA-SE

Monday, March 05, 2007

Ele tentou. Desesperadamente.

Olhou no relógio. Exatamente 3 meses, 4 dias e 8 minutos desde que ele a despejou de sua vida. Dentro de seu direito de proprietário, ele abriu a porta e pediu para que dela fizesse uso aquela moça inadimplente. O acordo era simples: ele lhe ofereceu morada, comida e alma lavada em troca de amor sincero e inspiração para algumas poesias ocasionais. Ela claramente quebrou o contrato. Não entregou o amor, muito menos as poesias.
Como o poeta que achava ser, ele tentou dedicar uns versinhos àquela despedida. Amor quando não inspira na entrada, inspira na saída, pensou ele. Tentou, desesperadamente, por 3 meses, 4 dias e 8 minutos. Mas, além da moça, de sua cabeça quase nada saiu.

Para não perder a viagem, rabiscou num guardanapo tudo o que conseguira pensar:

“Tiro o prazer que ela me deve
Da indiferença leve
Que ela me faz sentir.”

Encarou aquele pedaço de papel por alguns minutos. Quase ficou triste ao ver que, de tudo o que plantaram como um casal, só três versinhos brotaram. Quase duvidou da verdadeira intenção do Amor, com essas suas enganações e ilusões, o safado. Quase pensou em desistir de sua busca por alguém que realmente importasse. Quase.

Acabou que assoou o nariz no guardanapo e procurou algo mais interessante pra viver.

 
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