LÁ E CÁ, CÁ E LÁ

Saturday, October 14, 2006

Tulino vivia de imaginar história. Não quero dizer que ele fazia isso o dia inteiro, quero dizer que tirava seu sustento de inventar história pros outros mesmo: 8 horas por dia, 5 dias por semana.
O garoto era dos bons. A pessoa desimaginada chegava pro Tulino, tocava a campainha no balcão e gritava: “Tô procurando um sonho!”. E lá vinha o Tulino, com seu ar de serenata. Anotava o pedido num caderninho Tilibra de papel reciclado (pra combinar com a constituição dos sonhos) e prometia a história pra dali a uma semana. Cobrava depois da entrega, sem preço tabelado ou indexado: o cliente pagava de acordo com a satisfação. “Que burro!” Que burro que nada, as pessoas ficavam tão satisfeitas com a história que pagavam muito mais do que o Tulino estava disposto a cobrar.
Começou cedo, aos cinco anos. A Tia Anita, viúva choramingueira, vivia clamando em alta voz a falta que o falecido Tio Nonato fazia. Tulino não sentia falta dele não; odiava aquele bigodão imenso que Tio Nonato trazia acima dos beiços e que vivia habitado por restos de comida e espuma de cerveja. Ou um, ou outro. Mais o outro que o um. Mas querendo agradar a Tia Anita, o pequeno Tulino começou a contar uma historinha linda sobre Tia Anita e Tio Nonato namorando na praia, o mar fazendo espuma na areia (ai, a espuma da cerveja no bigode...) e os dois fazendo questão de se amar. Pronto. Foi só o que precisou pra Tia Anita mudar de vida: abriu pensão na praia e nunca mais choramingou. E Tulino encontrou uma profissão.
A carreira acabou quando Tulino se apaixonou. O problema não estava em se apaixonar. Claro que não, coitado! O erro dele foi se apaixonar por quem não queria nada de nada. A moça de Tulino saía correndo do amor como matuto de assombração. Tulino prometeu pra ela os sonhos mais lindos que ele pudesse imaginar. E de graça! Prometeu trazer pra vida dos dois o que ele tinha imaginado dentro daquela cabeça toda apaixonada. Mas quem disse que adiantou alguma coisa? A fujona escapuliu e ainda deixou pra trás um desafio: “Não me encontras nem em sonho!”.Foi aí que tudo desandou. Tulino foi na mesma hora pro seu escritório; quem ela pensava que era? Nem em sonho é? Pois ela que aguardasse: ele teria os sonhos mais bonitos e mais variados do mundo, todos só com ela e ninguém mais. Teria sonho de casamento, sonho de reconciliação, sonho de namorinho no cinema, sonho de velhice conjunta, sonho de nascimento do primeiro, do segundo e do terceiro filho e até teria sonho erótico de Tulino e sua moça. Acontece que foi ele deitar pra nunca mais levantar. Não é que a moça cumpriu a promessa? Não apareceu mesmo nos sonhos de Tulino. Sumiu do mapa. Tomou chá de sumiço. Escafedeu-se. Tulino dorme até hoje procurando a moça e tem gente que diz que ele nunca vai encontrá-la. Dizem que algo improvável aconteceu. Não é que a moça finalmente se apaixonou? Foi por um moço engravatado que veio da capital. Agora, enquanto Tulino a procura do lado de lá, ela vive seus sonhos do lado de cá.

1 comments:

Anonymous said...

adorei!
bju!

 
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