COMO SERIA BOM VIVER DE BRISA

Sunday, December 25, 2005

BRISA
Vamos viver no Nordeste, Anarina
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
vamos viver de brisa, Anarina.
(Manuel Bandeira)

Fugir, correr disso e para aquilo. Garantir na leveza a sua felicidade. Buscar no vazio o que te falta entre os pertences. Preencher o espaço de alma, movimento, criação, desconstrução. Deixar um corpo torpe e sua gravidade para trás e partir num leve bailado. Fazer da melodia o trilho seguro que o leva para um destino incerto. Era muita coisa pedir isso?! Ele, que estava disposto a oferecer tanto em troca, não merecia esse pequeno favor? Pois é, parece que não. Pelo menos era bem difícil deixar seu corpo torpe enquanto aquela gravata apertava seu pescoço sem piedade.
"Pô, o que te fiz?".
"Ah, nada...".
"Aposto que é porque gravata não sabe cantar...".
Também, de que adiantava tanto talento naquele lugar? O seu chefe de departamento pouco se importava se ele chegava até um Si bemol (ele estava tão feliz com o seu novo Si bemol...), queria era ver se o caixa não apresentava nenhum desfalque no final do dia. Os clientes que estavam na fila mal olhavam na sua cara, como iam perceber algum talento naquele pobre homem engravatado?
Aquele trabalho o sufocava... Mas pelo menos tirava sua mãe de sua jugular. Dona Maria sonhou em ter um filho advogado. Ela jura que foi por causa da lua na noite da concepção que seu filho nasceu pra ator. Tentou explicar ao marido que uma prima de uma tia sua concebeu em noite de lua minguante e o filho nasceu careca e careca ficou até os doze anos de idade. Mas vai segurar o Seu João depois de três ou quatro cervejinhas. O homem ficava inspirado. E Dona Maria não era boba de sair correndo...
Viver de brisa era tudo o que ele mais queria.
"Ator?"
"É mãe, ator... Sabe, eu canto, represento..."
"Mas nem bonito você é, vai morrer de fome!"
"Mas mãe, sabe que eu sinto que até levo jeito pra..."
"Pronto, era só o que me faltava. Um ator na família! Mas nem bonito você é! Vai viver de brisa é, mocinho? Vai, me fala: você é gay? Ah, um gay na família! E ator!"
Que pagassem em brisa! Ele é bom, sabe disso... Encheria sua casa de sacos e mais sacos de brisa... Encheria o cú de brisa pra falar a verdade. E estaria feliz, porque nenhuma gravata se atreveria mais a segurar aquele Si bemol que ele batalhou tanto pra conquistar.

1 comments:

PAulo Dutra said...

Huahuahuahuahuahuahuahua...

Fantástico...

 
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