POUCO IMPORTA O NOME DA CANÇÃO

Thursday, February 09, 2006

Foi chorando que Amelie começou a procurar as chaves do carro. Tinha vergonha de chorar, mas a dor parecia diminuir um pouco à medida que as lágrimas iam aumentando. Além disso, a autopiedade começou a fazer um bem inesperado. Sentiu-se bonita, mágica e um tanto etérea em seu pequeno drama pessoal. Só não podia embarcar de cabeça nessa admiração de sua própria figura: o choro tem que continuar.
Começou a revirar as gavetas que ainda guardavam as roupas de Jolie. Sabia que as chaves não poderiam estar ali, mas o desejo de se ver jogando para cima cuecas e meias que ela um dia ajudou a despir parecia incontrolável. Sentiu um prazer ainda maior ao rasgar, quase sem querer, a camisa que Jolie usava na noite da primeira reconciliação. Amelie tinha memória fotográfica.
Decidiu continuar a busca no banheiro. A escova de dente de Jolie já não estava mais ali. Aproveitou a pausa para admirar seu reflexo no espelho: como se achava bonita quando chorava! Era uma pena, se a escova ainda estivesse ali poderia se vingar esfregando as cerdas em suas axilas e virilhas como sempre fazia quando brigavam. Ele nunca percebeu nada, mas a satisfação que sentia Amelie ao ver seu namorado escovando os dentes com tanto asseio, sem saber que na verdade a lambia por tabela, bastava para recuperar qualquer insatisfação que tivesse. Lembrou-se das chaves. Abriu as gavetas embaixo da pia, lotadas de Aspirina. Jolie era um defensor ferrenho das propriedades milagrosas da Aspirina. De impotência à queda de cabelo, um comprimido era a recomendação básica. Para dor de cabeça, tomava Neosaldina.
Na sala, procurou entre os assentos do sofá. Nada das chaves, nem qualquer coisa que a lembrasse daquele filho da puta. Aquele sofá nunca recebeu os dois ao mesmo tempo. A vontade de chorar estava passando. Correu para o som e colocou a faixa número 3 de um CD de Chico Buarque. Aquela música não remetia a nada em específico, mas era uma música bonita, e ela precisava de inspiração. Pressionou o Repeat.
Deitou no tapete ao lado do sofá e se concentrou exclusivamente no choro: as chaves do carro realmente não queriam aparecer. Se aquele puto as guardasse no potinho em cima da lareira, como o combinado, ela não estaria perdendo tanto tempo agora. Entre seus soluços ritmados, pensou como gostaria de transar naquele tapete, de preferência com o irmão de Jolie. Poderia filmar tudinho e mandar pela internet para todos os amigos do casal. Faria questão de gemer bem alto, como nunca havia gemido antes, para que Jolie percebesse o quanto era ruim na cama.De repente, a lembrança. Ela havia saído com o carro pela manhã, a chave deveria estar sobre a mesinha ao lado da porta da sala. Prendeu o choro, como que para guardá-lo para mais tarde. Pegou o casaco que havia ganhado de aniversário de namoro durante a viagem à Santa Catarina e saiu sem fechar a porta. Uma vez no carro, deu partida e saiu cantando pneu em direção à casa de Jolie. No som do carro, a faixa número 3 de um CD de Chico Buarque.

2 comments:

Anonymous said...

Oi Fe!
Vc sabe q adoro os seus texto.... sempre vou passar por aki e deixar um comentario agora q eu posso ne?
Um Beijão
Rebeca

Anonymous said...

ups.... textos*

 
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