O CRAVO SOBROU COM A ROSA

Thursday, June 29, 2006

Mas que diabos, esperneou a Rosa
Que foi que aconteceu?
Quem me explica esse vácuo
Esse espaço, esse breu?
Que foi feito do mundo?
Está doente, morreu?
Eu acordo e não vejo
O que sempre viveu!

Mas que diabos, espreguiçou o Cravo
Quem me desperta assim?
Pra que tanta bagunça?
Essa zona sem fim?
Vizinhança maldita
Devem respeito a mim!
Posto que sou um cravo
E não simples capim!

Calma sua besta, repara um minuto
Olha, tudo sumiu!
Foi tudo pra bem longe,
Pra puta que o pariu!
Pra onde foi o mundo?
Cê não sabe, não viu?
Só sobramos nós, moço
Nada além, nem um fio!

E agora? Que faço eu, disse o Cravo
Se mais nada existe?
Me responde, Rosinha
Que destino mais triste!
Que é feito de um Cravo
Que a pouco resiste
A qualquer intempérie
Qualquer dedo em riste?

Era isso o que faltava acontecer
À esta rosa nobre
Moça limpa e católica
Fui sempre muito pobre
Só me fodo à granel
Sem ganhar nenhum cobre
Pra que o mundo se acabe
E um cravo me sobre?

Ouça, seja grata à tua sorte, Rosa
Pois não estarás só!
Antes cravo na mão
Que um mundo em pó!
Vê se esquece esse susto
Desatemos o nó
Chegue mais e se deite
Procriemos sem dó!

Não me toque, sua plantinha tarada!
Guarde seu androceu!
Tire seu olhar morno
Desse meu gineceu!
Não procrio com cravos
Juízo Deus me deu.
Se é pra dar pra você
Morro seca, entendeu?

Mas que coisa! Não precisa ofender-me
Não sou qualquer pidão!
A desgraça me fez
Amar-te, sem opção
Se te peço um filho
É por ter coração
E não querer pro mundo
Um fim sem reação!

Vendo por esse prisma, tens razão!
Sem mais mal-criações!
Serei Madre Tereza
Das novas gerações
Tu serás como Gandhi
De todas as nações
Serás rei e eu rainha
Dizem as previsões!

Isso mesmo, assim que se resolve!
Para ti, meu louvor!
Vamos ser salvadores
Procriar sem pudor!
Deita aqui e relaxa
Aceita o meu amor
Que do Cravo e da Rosa
Surja o novo esplendor!

EU ESPERO

Tuesday, June 27, 2006

Ando à esmo, me encontro perdido
Choro mesmo, menino esquecido
Despreocupado, me agarrei a qualquer mão passante
Que me soltou assim que notou o mal-entendido
Agora, perambulo ofegante
Numa busca nauseante
Por um braço que me seja estendido
Que surja no meio da massa
Da vida apressada que passa
Me deixando sem direção ou sentido
Se a espera, já tão irritante
Perdure, não importa o que eu faça
Não pense que me dou por vencido
Não me faço rogar:
Sento-me e grito, até alguém me achar.

VENDO O CORO PASSAR

Saturday, June 24, 2006

Quem me vê aqui calado
Sem cor, caído e amuado
Dá risada de tamanha besteira
E da minha cara, que se guarda rasteira.

“Por que tanto querer?” perguntam;
“É só o que eu sei fazer...” escutam;
De choro e vontade contida
Eu preencho o que me resta de vida.

Submisso, escuto a anedota
Que o coro, partindo, arrota
Me deixando pra trás, lentamente.

Saem todos contando a piada
Da mulher que, sentindo-se amada,
Abandonou o rapaz, de repente.

REPRISE

Thursday, June 22, 2006

O percurso até o cinema foi o maior que já percorreu. Sentia a mão dela apertar a sua como quem segura a mão de alguém em meio a um furacão. Nenhuma palavra foi dita em meio ao estardalhaço que o silêncio fazia. Foi o caminho inteiro assim: ela o encarava e apertava a mão dele com uma força vinda do útero, os dois dançando a ausência de som. A mão dele já estava pingando suor e os ossos doendo quando chegaram à bilheteria.

Comprou qualquer par de ingressos com a mão que estava livre e se dirigiu à sala de exibição. Ela sempre apertando sua mão direita e o encarando, lacrimosa. Ele, pelo canto do olho, sempre ignorando aquela súplica silenciosa. Não tinha outra opção. Não seria capaz de resistir àqueles olhos pidões que sempre conseguiam o que queriam. E ele estava convencido de que não poderia ceder. Não dessa vez.

O filme começou e durou longas 23 horas. Todos os movimentos se passavam em um bonachão “slow motion”. As cenas se repetiam duas, três, quatro vezes até; fazendo com que aquela situação perdurasse até o limite do desconforto. A mão já formigava e ele poderia jurar que aqueles olhos pidões que ainda o encaravam não haviam piscado nenhuma vez. Ele assistindo ao filme e ela ali, sem piscar, olhando pra ele. Em um momento de fraqueza, ele lhe ofereceu um drops e seus olhares quase se cruzaram. Uma explosão causada pelo mocinho na décima oitava hora do filme acabou por evitar essa catástrofe. O rapaz ainda estava na dianteira nessa disputa.

Ao fim da sessão, ele se levantou apressado e, arrastando a moça que havia se tornado o prolongamento de seu braço direito, chegou à porta da casa dela. Aquele olhar continuava ali, esquentando a sua face, querendo uma resposta. Sem demora e sem encará-la, disse:

“É, então acho que é isso”.

“Adorei o filme” ele escutou “Quando nos veremos de novo?”.

Ele respirou fundo. “Não sei se vou poder te ver de novo”.

“Amanhã?”.

“Olha, não complique as coisas. Acho melhor não nos vermos mais” Já não sentia mais a mão.

“Amanhã então?”.

“Você não está entendendo?” E, num momento de imprudência, ele a encarou nos olhos.

Bem nos olhos.

“... amanhã?”.

“Amanhã...”.

Ela finalmente soltou sua mão. E piscou.

É TUDO UMA QUESTÃO DE PUPILA

Tuesday, June 20, 2006

Os olhos ao escuro se acostumam.










Nada pode ser tão grave
Nenhum vento que me desabe
Nenhum descaso, nenhum entrave
Nem mesmo um amor que me acabe.

Cada segundo que me passa leva um teco de memória
Faz tudo virar história
Luz e fantasia se anulam.
Não me preocupa o breu que agora se impõe
Porque dessa clareza se supõe
Que os olhos ao escuro se acostumam.

VERSO EM CORRENTEZA

Saturday, June 17, 2006

Fiz da minha lágrima um fiozinho
De água morna, um riozinho
Que me corre vagaroso.
Lágrima que dispara assim que brota
Dança e traça a própria rota
Corre o rosto desgostoso.

Todo sonho é feito de alma solta
Todo choro é cheio de alma presa
Toda alma quer ser avião
Pra ficar longe do chão
E mais perto da certeza.
Toda fantasia é quase um salto
Toda solidão tem muita pressa
Toda brincadeira é bem-vinda
Como o riso que não finda
E o tempo atravessa.

Que a lágrima não se faça perene
Que não me faça solene
Não me tire a inspiração.
Que eu chore e evapore todo o sentimento
Junte tudo em um momento
E solte em bola de sabão.

SONETO DA SAUDADE

Friday, June 16, 2006

Um silêncio pulsando
Quase gritando
Chamando um nome
Que no choro some.

Minha velocidade
É de peso e saudade
Da vontade que movia
A minha pele, agora fria.

Sentado, em meio ao vazio
Tento lembrar , à voz rouca
O gosto que tinha o seu nome na minha boca.

Observo, sem reconhecer
Na moça que se faz de serena
O amor que deixou minha vida pequena.

IMPRODUTIVO

Wednesday, June 14, 2006

Olho o papel na minha frente
Deitadinho, a cochilar
Coitado! Cansou de esperar
Por meu verso inexistente.

E a caneta, constrangida
Fica imóvel entre os dedos
Sente falta dos enredos
Que traçava, envaidecida.

Me perdoem, companheiros!
Mas parece que a imaginação
Se perdeu nos nevoeiros

Ou então foi o coração
Que, na falta de um amor verdadeiro,

Fugiu com a minha inspiração.

PEÇA TROCADA

Sunday, June 11, 2006

Perceba o nosso equívoco:
Pretendia ser a sua nova história,
Você me queria como curativo.
Mas faltou algo imperativo:
Não deixamos pra trás os ventos da memória.

Me explica como pode esse amor funcionar
Se o vazio que eu trago para você ocupar
Tem a forma de outra mulher.

FUGA

Saturday, June 10, 2006

Me leva, me leva, me leva
Me puxa pela mão
Me empurra pelas costas
Me atira para além da vista
Bem ali, aonde a lembrança ainda não chegou.

Fecha os meus olhos,
Mas não deixa de falar nos meus ouvidos
Quero enxergar o mundo que me passa através do teu verbo.

Se perde comigo no escuro
Segura a tua ânsia de chegar
Porque o melhor que há na fuga

É o não olhar onde se pisa.

ENTREPASSOS

Tuesday, June 06, 2006

Tô morrendo de pres
Sai corren
Do lugar que eu esta
Varrendo o ven
Tocando a puta
Ria do desespe
Rodava a baia
Na louca vonta
De viver de milési
Morto de cansa
Do dia ocupa
Do motivo arranha
Do sono inquie
Todo mundo me enga
Nada se comple
Tamanha a pres
Saudade do tem
Pode me dei
Tá tudo rodan
Do pouco que res
Tá tudo acaba
Do pouco me rou
Bandido bara
Todo mundo descan
Sacanagem comi
Gostava de a
Mar nunca mais vi.

FLORES PARA DOUTOR EUGÊNIO

Friday, June 02, 2006

“Eu vou mandar rosas!”

Ele estava em frente à floricultura decidindo o seu futuro e revendo o recente passado. A marca no pescoço e os arranhões pelo corpo ainda pulsavam cheios de imediatismo.
Ela foi uma dessas surpresas da vida, um vento que levanta a saia da menina e expõe suas partes baixas. É, era assim que ele se sentia: com as partes baixas ao vento. Aquela mulher alta apareceu sem fazer barulho que a denunciasse, trazendo em mãos um maço de cigarros e pelo corpo magro um aroma de maçã. Ele odiava o beijo das fumantes; o dela tinha gosto de maçã.

“Não, vou mandar lírios!”

Ele também a surpreendeu. Isso, ele percebeu durante o primeiro beijo. Uma postura despreocupada deu lugar a uma vontade de crescer e, porque não, voar nos braços daquele menino cabeludo. Ele estava adorando fazê-la voar, como a uma pipa ganhando as nuvens.

“Cravos! Não, cravos são para homens...”

Uma caminhada pela calçada úmida e vazia, abraços que pediam para se repetir, o beijo longo de maçã e uma cama que assistia passivamente o reencontro de dois vazios. É karma, ela disse. Coisa de outra encarnação. O sono se tornou secundário e a noite um estado de espírito.

“Existe uma flor chamada bétula?“

Ele foi embora, simplesmente. Ela disse: “Na próxima vez...”.
Ele: “Vai ter uma próxima vez?”
Ela: “Depende...”
Ele: “Do que?”
Ela só ri.
Sem telefones. Não era a hora.
Ele foi embora, com a impressão de ter esquecido alguma coisa na casa da moça. No dia seguinte percebeu que se esqueceu de levá-la embora com ele.
Ele guarda o endereço da cama: Rua Doutor Eugênio 43. Rua Doutor Eugênio 43. Assim que sentir vontade, volta a procurá-la. A moça e a cama.

“Rosas! Eu vou mandar rosas!”

SEU

Thursday, June 01, 2006

A lágrima não seca
A dor não passa
O sorriso não míngua
O amor não some
A paixão não cala
O calor não morre
A razão não fala
O olhar não chora
O lábio não beija
A pele não esquece
A mão não cuida
A noite não cresce
O beijo não cura
O dia não rende
A alegria não dura
O corpo não dança
A música não toca
O final não chega
O final não chega
O final não chega


E eu ainda a te amar...

 
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