REPRISE

Thursday, June 22, 2006

O percurso até o cinema foi o maior que já percorreu. Sentia a mão dela apertar a sua como quem segura a mão de alguém em meio a um furacão. Nenhuma palavra foi dita em meio ao estardalhaço que o silêncio fazia. Foi o caminho inteiro assim: ela o encarava e apertava a mão dele com uma força vinda do útero, os dois dançando a ausência de som. A mão dele já estava pingando suor e os ossos doendo quando chegaram à bilheteria.

Comprou qualquer par de ingressos com a mão que estava livre e se dirigiu à sala de exibição. Ela sempre apertando sua mão direita e o encarando, lacrimosa. Ele, pelo canto do olho, sempre ignorando aquela súplica silenciosa. Não tinha outra opção. Não seria capaz de resistir àqueles olhos pidões que sempre conseguiam o que queriam. E ele estava convencido de que não poderia ceder. Não dessa vez.

O filme começou e durou longas 23 horas. Todos os movimentos se passavam em um bonachão “slow motion”. As cenas se repetiam duas, três, quatro vezes até; fazendo com que aquela situação perdurasse até o limite do desconforto. A mão já formigava e ele poderia jurar que aqueles olhos pidões que ainda o encaravam não haviam piscado nenhuma vez. Ele assistindo ao filme e ela ali, sem piscar, olhando pra ele. Em um momento de fraqueza, ele lhe ofereceu um drops e seus olhares quase se cruzaram. Uma explosão causada pelo mocinho na décima oitava hora do filme acabou por evitar essa catástrofe. O rapaz ainda estava na dianteira nessa disputa.

Ao fim da sessão, ele se levantou apressado e, arrastando a moça que havia se tornado o prolongamento de seu braço direito, chegou à porta da casa dela. Aquele olhar continuava ali, esquentando a sua face, querendo uma resposta. Sem demora e sem encará-la, disse:

“É, então acho que é isso”.

“Adorei o filme” ele escutou “Quando nos veremos de novo?”.

Ele respirou fundo. “Não sei se vou poder te ver de novo”.

“Amanhã?”.

“Olha, não complique as coisas. Acho melhor não nos vermos mais” Já não sentia mais a mão.

“Amanhã então?”.

“Você não está entendendo?” E, num momento de imprudência, ele a encarou nos olhos.

Bem nos olhos.

“... amanhã?”.

“Amanhã...”.

Ela finalmente soltou sua mão. E piscou.

1 comments:

Anonymous said...

é assim mesmo... rs

lindo texto!

bjos

 
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