CARPE DIEM

Tuesday, January 03, 2006

- Vai uma vodka aí? - disse gargalhando a moça deitada ao seu lado, percebendo que Jonas estava abrindo os olhos. Aquela risada atingiu-lhe como tijoladas na cabeça, causando uma dor que se refletia por todo o resto do corpo, trazendo náuseas, vertigens e um gosto horrível na boca; um misto de cigarro (ele não fuma), cueca suada e mais algo amargo que ele não conseguia identificar.
"Sábado", gritava o calendário na cabeceira da cama, acabando por esclarecer a primeira dúvida de Jonas. "A Felicidade torna a vida um manjar de paz, alegria e saúde." Aquele calendário que ganhou da irmã seguidora da Seicho-Noi-ie sempre lhe atirava esse tipo de desaforo na cara. Conseguia, nos primeiros segundos do dia, sentenciar o rapaz a um dia de mal-humor e impaciência. Nem por isso Jonas conseguia jogar aquela porcaria no lixo; não se recusa presente dado com carinho, principalmente carinho de irmã. Bom, era uma coisa a menos para preocupá-lo: não teria que sair correndo para o trabalho. Sem mencionar o fato de que ressaca não se cura perto de patrão enchendo o saco. Nada como o final de semana para recebê-lo de braços abertos como um Engov para curar-lhe a...
- Já vai dormir de novo?! É, você parecia mesmo fora de forma, deve estar exausto! - o deboche continuava. Jonas já havia esquecido da mulher deitada do seu lado, que agora acendia o que parecia ser o seu primeiro cigarro do dia ("ah, o gosto...") e pela primeira vez lhe ocorreu verificar a nova companheira de cama. Era uma mulher maquiada vulgarmente, de um jeito que fazia Jonas lembrar de sua Tia Corina, morta de rubéola. Sua idade era impossível de definir: podia muito bem ser uma jovem muito da acabada ou uma senhora que guardava em si alguns traços de uma distante, porém bela juventude. Jonas precisava de mais alguns minutos para decidir-se. Era loira, ou melhor, estava loira. Via-se sua natureza morena ressurgindo pacientemente de seu couro cabeludo. O nariz era pequeno, delicado e contrastante em relação aos demais traços rígidos do rosto da mulher. Tinha os maiores seios que Jonas já havia visto em toda a vida e percebê-los trouxe-lhe um certo orgulho. Já tinha algo para contar no jogo de sinuca de amanhã. Resolveu voltar aos seios mais tarde e pôs-se a descer a visão até a barriga e depois ao sexo, que tinha os pêlos pubianos cortados de maneira engraçada. Jonas se demorou nos pêlos que lhe mostravam figuras diversas, como nuvens em um dia de ventania. Visualizava um coelhinho no momento em que a voz da moça o trouxe de volta.
- Rapaz, essa vida é curiosa. Um dia você acorda em casa, pensando em viver mais um dia monótono e no outro acorda na cama de um estranho que te encara os pentelhos. Bem, o que há de se fazer, não é mesmo?! - e outra tijolada acertou a cabeça de Jonas. Aquela gargalhada estava começando a irritá-lo.A moça revelou-se pequena. Não combinava com aquela gargalhada irritante e com aqueles seios enormes. Ah, que orgulho daqueles seios! Já tinha algo para contar no jogo de sinuca de amanhã. Tinha uma marca no quadril, aparentemente uma mordida, que Jonas deduziu ser sua. A moça já acendia o seu segundo cigarro quando despertou o rapaz de seus pensamentos mais uma vez.
- Olha, não fique ofendido com a minha brincadeira de agora pouco, viu? Tava só quebrando o gelo... A noite até que foi legal. Você não está fora de forma não! Tem homem, como você, que é mais direto, mas objetivo, só isso. Não perde muito tempo, não é mesmo? Rapaz, essa vida é mesmo curiosa!
A moça levantou-se e começou a se arrumar. Vestiu a saia, o sutiã para sustentar aqueles enormes seios e vestiu também uma blusa rosa; um conjunto surpreendentemente comportado e nada vulgar, apesar da maquiagem. Eram roupas aparentemente caras e fizeram Jonas sentir vergonha de seu quarto barato de pensão. Devia estar muito bêbado para levar uma mulher daquelas para aquele lugar. A moça jogou uma nota de 50 reais na cama e disse que era para pagar o abajur. Pediu desculpas por ser tão estabanada. Jonas não se lembrava de ter um abajur, mas não fez nenhuma objeção. Recebeu um beijo na testa. A moça com certeza era mãe de alguém porque só as mães sabem dar beijo na testa daquele jeito. Ouviu a mulher dizer antes de ir embora:
- Não esquenta não, filhote. A vida já tá escrita, não sobra muito que se fazer. Se você realmente ama essa moça, espera o tempo passar pra ver se lá na frente seus futuros se cruzam no mesmo parágrafo... - a moça fechou a porta do quarto e seus passos foram sumindo pelo corredor da pensão.
Jonas parou um tempo para pensar. Por que mereceu aquele conselho? Mesmo tendo aparentemente decepcionado a moça com suas habilidades na cama, parece que conseguiu conquistar seu afeto. E enquanto levantava para lavar toda aquela noite de seu corpo com uma boa chuveirada, se perguntava quem seria a mulher por quem estava tão apaixonado. Não se lembrava de estar amando alguém. Bom, quem sabe o banho lhe refrescasse a memória ou, em último caso, pediria maiores esclarecimentos à moça maquiada quando esta voltasse para pegar a calcinha esquecida em cima da TV.

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