"VEM, AH..."

Wednesday, November 21, 2007

Foi como o dueto que eu escutei certa vez. Igualzinho.
Tinha tanta beleza que eu não conseguia ouvir tudo de uma vez. Só suportava pequenos pedaços.
Um violão começava manso, mansinho. Nem percebíamos a diferença do agora para a vida antes dele. Chegava desapercebido como se sempre estivesse ali. Quando já estava me rendendo ao carinho inicial, uma palavra dita com imensa dor me retirava do transe e me roubava para a vocalista.

“Vem...”

Pedia para eu não mentir. E repetia. Eu já esquecia o violão.

“Vem...”

Intrometia-se um violino arrogante, achando-se o alvo daquele apelo choroso. Bêbado e flácido, tornava a mulher uma memória feita de coisa presente. Ele ocupava o espaço, sambando ao violão que não existia mais.
Não existia, até reaparecer me abraçando de surpresa, e o boêmio violino sumia em meio à minha perplexidade. Revelava-me o samba, aquele violão com cada corda vibrando e trazendo a poesia que eu sempre sonhava compor. Assim, sem pedir nada em troca. Me entregava palavra por palavra, que de repente invadiam a boca de outro vocalista. Um homem. Cantando com o coração emprestado da mulher que já tinha se perdido na melodia. Na mesma dor, vibrava a voz para desatar o nó da garganta. Sem sucesso.

“E agora que eu cheguei, eu quero a recompensa...”

Me vi sozinho com ele. E como ele também solitário.
O que se seguiu eu não sei descrever. Todos os moradores daquela música me rodearam, gritando a beleza do modo que podiam; sons e palavras me violando sem pudor ou coerência.

Vem ah tum tá meu menino vadio ííííí eu quero te dizer que o tum tum íííí instante de te vem ver sem mentir pra você me arrepender Dorme íííí convencer menino grande das chuvas que acolhi meu amor que paguei tumtum tum íííúúú eu quero te mostrarporqueganhei nasíííí Deus e te quero cheguei tum íííááá tum prenda pá ííí teusmeus íííá vem que cheguei ííí todo seu recompensa meus teus tum ííí dorme ííí menino tu grande

Foi como a música que eu ouvi certa vez. Assim ela me passou e eu não pude compreendê-la. A música e a minha mulher. Foi igualzinho, com uma e com outra. Queria, mas não podia amá-la assim, de uma vez. Só pedacinho por pedacinho. Minha mulher.Um mosaico de cadências, uma colcha de retalhos feitos de poesias desencontradas. Mas tão linda que me doía o peito.

2 comments:

Rebeca Rezende said...

um presente para um poeta exigente.

que bom que gostou, menino grande...

Thais Conti said...

Boa descrição, gostei

 
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