FIM DO DIA

Friday, July 27, 2007

Banhei-me com violência jamais antes utilizada na história da higiene pessoal. A esponja era como uma faca que me escalpelava, retirando todas as camadas de minhas imperfeições. Em lascas finas. Herança maldita, de onde eu vim e do meio em que vivo. Golpeava-me. Forte. Da água, retirava o álcool que esterilizava as minhas feridas, com a esperança de que cicatrizassem tão rapidamente que não haveria como o mal entrar por onde saiu. Foi assim que reduzi-me a pó, para que cada parte de mim pudesse voar o mais longe possível da outra. Como cúmplices que se separam para não serem pegos. Como culpados que se escondem por terem vergonha. Como cacos que, mesmo remendados, já não se sentem úteis. Sequei-me então com o cuidado de uma enfermeira em tempos de guerra, enxugando calmamente cada gota de sangue de um ferimento nascente; não com o objetivo da cura, mas pelo prazer da comprovação do sofrimento. Terminada a lenta alegoria, vi-me nu, desperto, sem nenhuma proteção. Mas também sem nenhuma ameaça.

Hoje eu tirei a vida para escrever.

PRÓXIMOS PASSOS

Sunday, July 22, 2007

Um dia há de chegar-me o tempo da indiferença,
Da inconseqüência diante da fraqueza do que é coisa humana
O tempo em que as falhas que me flutuam, caricatas
Tão exatas, por serem previsíveis como o choro curto
Tão inatas, por serem a moldura de qualquer vivente
Sejam o exemplo farto de minha sapiência.

Ao chegar-me o tempo dessa inexistência
Estarei seguro na minha própria ausência
E distante, serei da vida humana cientista
Com a exatidão de um biólogo que estuda um verme
Com a frieza com que um médico disseca um tumor
Ou com a verve morta de um leitor de óbitos.

RARO SILÊNCIO

Saturday, July 14, 2007

Esqueça o marulho que juntos fizemos
Esqueça a brisa dos nossos sussurros
Apague os sons que te chegam em atraso
Urros são, falácias de um coração raso
Que não merecem mais respeito que um gemido
Agora, se te fere o silêncio sustenido
Que a nova melodia nasça de um pretexto.
Cante! Grite as notas sem sentido
Da canção que fez o nosso amor bissexto.

...

Saturday, July 07, 2007

Toda vez que eu me boto à tua volta
Declaro-te o amor em pensamento
Ensurdeço o meu coração e a alma
Num silêncio estridente que consola
Não preciso ter de ti consentimento
Para amar-te todo o amor que me assola
Em segredo, o meu dentro é revolta
Mas revelo o meu fora envolto em calma.
Não esperes de mim amor declarado
(É mudo que o casal mais feliz dança)
O que te calo, vive o infinito
E o que foi dito só durou o expirar
Mas se escutas perto um pranto sussurrado
A chegar-te como a mais vaga lembrança
É só porque distante abafo o grito
Do meu coração aflito a te pronunciar

 
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