INSPIRAÇÃO PARA UM SONHO

Sunday, December 24, 2006

inspira... expira....
expira... inspira...

E é assim que quero passar minhas noites. Deitado de lado, espelhando a Amada; um negativo cheio de admiração. Sorrateiramente, eu encosto a ponta do meu nariz adunco na pontinha do nariz da Amada, aquele que amassa com tanta facilidade. Prendo a respiração e me preparo como quem vai entrar numa brincadeira de corda.

inspira... expira... inspira... expira...

Já! É nesse momento que eu encho meus pulmões. Recolho todo o ar rejeitado pelos pulmões dela e dele faço a minha atmosfera. Faço de seu hálito o aroma de toda a minha insônia. E numa alternância pontuada em colcheias, consumo sua expiração e alimento sua inspiração, num expira-inspira conjugado. Ela expira, eu inspiro.
E é assim que quero passar minhas noites. Deitado de lado, espelhando a Amada e me alimentando de seus sonhos. E deles sendo alimento...

A TINTA DAS LÁGRIMAS

Sunday, December 17, 2006

Curioso o vazio...
O pensamento
Que ora me vem
É seco e frio.
Se acordo sorrindo
Sem leito que doa
Eu pego no flagra
A minha mão mentindo.
Mas se durmo chorando...
Ah! A tinta das lágrimas
Meus sonhos se fazem
De estrofes dançando.
Meu verso é defunto.
Me falta amar
Amar e sofrer,
Pois já estou sem assunto!

QUE MAIS NA VIDA?

Tuesday, December 05, 2006

- Puta que o pariu!

Nunca uma frase foi tão saboreada em toda a história das verborragias. O Fonseca invadiu a sala soltando...

- Aquela vaca filha da puta!

... todos os pensamentos mais impróprios para o horário comercial em cima da minha mesa no escritório. Eu tentava me concentrar na planilha poltergheist que habitava o meu computador e os meus piores pesadelos nos últimos meses.

- Precisava ser burra assim? Aquela
bitch. Fucking bitch.

Ele adorava xingar em inglês também. Aposto que enquanto eu assistia Vila Sésamo quando criança, ele chegava da escolinha primária e almoçava revendo “
Fuck me Forever – Parte III”.

- Calma Fonseca, o que foi que aconteceu? – eu disse a frase inteira num mesmo tom, quase como um mantra.
- Sabe a Jandira?
- A Jandira?
- É, aquela putinha da cobrança!
- Ah, a Jandira.
- É, a putinha. Bitch. Fucking bitch!
- Sei.
- Pois então, aquela vagaba teve a pachorra de...

Pronto. Pra que ouvir mais, né? Eu estava satisfeito já com o meu vocabulário de palavras sujas. Deixei o Fonseca falando e me transportei pro colo da Jandira. Ah... a Jandira da cobrança... Eu só não largava o emprego naquela firma porque era lá que trabalhava a Jandira da cobrança. Ganhava mal, era mal tratado, odiava o serviço, mas via a Jandira sempre que chegava de manhã e passava pelo corredor. Ela sempre lá, na mesinha dela, afogada em notas e mais notas fiscais.

Jandira não me conhecia além das solicitações de reembolsos enviadas todas as quartas-feiras. Para ela, eu era a assinatura acima do “Nome do Colaborador”, mas pra mim, Jandira era projeto de vida. E daí se eu queria ser escritor? Não importa se eu queria largar aquela planilha pela metade e passar o dia escrevendo e poetando, poetando e escrevendo. Só assumiria a vida de escritor se fosse vida de escritor muito bem pago, que ganhasse milhões e precisasse contratar uma pessoa para cuidar das cobranças. E a vida seria Jandira.

-... na cara dela!

Silêncio...


Acho que o Fonseca secou sua fonte de baboseiras. Melhor. Assim que der, eu falo pra ele:

- “Fica tranqüilo, Fonseca. Logo a vida acaba”.

E eu esperava esse dia pacientemente. O dia em que o mundo ia acabar. Era o anúncio ser feito na televisão pra eu correr em direção à Jandira, me apresentar...

- Oi, sou o João do RH. Vim deitar no seu colo.


E me jogar num mergulho só em direção ao colo dela. Aí o mundo podia mesmo acabar. Não ia mais ter planilha, verborragias, pedidos de reembolso. Só Jandira. Que mais o mundo poderia fazer por mim? Que acabasse de uma vez...

É TÃO SIMPLES...

Friday, November 24, 2006

Desde que perceba o leve toque
Que recebe a tua pele sob a mão
Minha, por ser feita de impulsos
Tua, por direito e querer
Desde que sintas o infinito contido
E retido num simples suspiro de conforto
Guardado em colo aberto, mesmo que restrito
Que faças poesias das minhas frases sem sentido
Soltas por capricho, nunca por descuido
Que sonhes o momento que em seguida se realiza
Simplesmente porque se concretiza o presente irreal
Diante de olhos descrentes e tranqüilos em sua incerteza
Desde que você sorria ao prever toda a dança
Toda a falta que faremos juntos, em cadência...
A indecência das nossas vontades, a relevância
De tudo o que deixaremos de dizer
Esquecidos um no outro
Entretidos
Sabendo que o breve dura o quanto quisermos
E que o para sempre é só uma questão a se acordar.
Combinar
Minhas idéias com tuas possibilidades
Teus anseios com minhas maldades
Nosso conjunto com qualquer coisa que não importe mais
Desde que respondas com angústia às minhas perguntas
E com beijos às minhas denúncias
Desde que cumpra o prometido
Serei sempre teu. Sempre.
Em uma rasa e sincera dependência.

Desde que você me permita...

DENTRO DA CAIXINHA

Sunday, November 19, 2006

tudo aqui
parece tão
pequeno tão
contido tão
mexido. assim
não há espaço
para um braço
fora do
restrito
espaço de mim.

e por ser
tão diminuto
tão privado
não escuto
qualquer voz
que não a
minha
mente tão
sozinha
sem palavra
pra trocar.

tão pequeno
que não
cabe o
dois
só cabe o
um
cabe o

um
só.

BRAVO!

Wednesday, November 15, 2006

Foi coisa da fina!
Já diria a minha
Bela bailarina
Ao final daquela
Sessão vespertina
Recolhendo aplausos
Como a campesina
Saltitando como
Sal na lamparina.

A peça termina!
Vai embora como
Amor de menina
Pois não é que essa
Peça feminina
Me deixou chorando
Água e purpurina
Pra virar memória
História – Imagina!

Ei! Dona Firmina!
Traz logo a vassoura
Varre a serpentina
Pega esse libreto
Joga na latrina
Nosso palco fugiu
Quieto, na surdina
Vam´bora pra casa
Fecharam a cortina.

VITA MINA

Sunday, November 05, 2006

Quem me cura da procura é a Doralina. Só com a Doralina passa.

Eu tenho uma gaveta cheinha de remédios. Neosaldina, Novalgina, Amoxilina, Propolina, Demolina, Afligolina, Mexobollina. Mamãe me ensinou a maravilha das INAS. Qualquer coisa que eu sinta, mato com alguma INA da gaveta. Deu coceira? Afligolina na safada. Gastrite? Poxa, saco uma Propolina.
Saudade? É... saudade... Bem, tem remédio pro que for. Milagres da medicina!
Só quem me cura da procura é a Doralina. Mas a Doralina eu não acho...

SONORO

Sunday, October 29, 2006

De uivos babados
E gritos ao vento
As bocas se fazem zunir
Vazios urrados
Como um sofrimento
Que o coro se encanta em sentir
Como alcatéias
Latindo, sedentas
Por algo que nunca entenderam
Cospem cefaléias
Gerando tormentas
Matando o que não mereceram
Aqui do meu canto
Escuto o pranto
De corpos suspensos no ar
É tanta voz rouca
-Que calem a boca!
...
... eu quero o silêncio a cantar...

EU QUERO FAZER UM SONETO

Sunday, October 22, 2006

Uma ilha de secreta poesia!
Que nos guarde entre frases sempre soltas
Uma a uma lapidadas ao sabor da maresia.
(Como as ondas, que só se amam revoltas).

A palavra que te faça sempre minha!
Que nos baste, posto que é verdadeira
Que se afaste, sem olhar pra onde caminha
(Nos deixando ao silêncio de alma inteira).

E enfim, sozinhos, nos faremos lentos
Para que dure enquanto possa o amor vivido
Tão eterno, que se torna esquecido.

Aqui ficamos, sob os caprichos dos ventos
Nesta terra de amor fácil e sem motivo

Num soneto que, em ti, me deixa vivo.

LÁ E CÁ, CÁ E LÁ

Saturday, October 14, 2006

Tulino vivia de imaginar história. Não quero dizer que ele fazia isso o dia inteiro, quero dizer que tirava seu sustento de inventar história pros outros mesmo: 8 horas por dia, 5 dias por semana.
O garoto era dos bons. A pessoa desimaginada chegava pro Tulino, tocava a campainha no balcão e gritava: “Tô procurando um sonho!”. E lá vinha o Tulino, com seu ar de serenata. Anotava o pedido num caderninho Tilibra de papel reciclado (pra combinar com a constituição dos sonhos) e prometia a história pra dali a uma semana. Cobrava depois da entrega, sem preço tabelado ou indexado: o cliente pagava de acordo com a satisfação. “Que burro!” Que burro que nada, as pessoas ficavam tão satisfeitas com a história que pagavam muito mais do que o Tulino estava disposto a cobrar.
Começou cedo, aos cinco anos. A Tia Anita, viúva choramingueira, vivia clamando em alta voz a falta que o falecido Tio Nonato fazia. Tulino não sentia falta dele não; odiava aquele bigodão imenso que Tio Nonato trazia acima dos beiços e que vivia habitado por restos de comida e espuma de cerveja. Ou um, ou outro. Mais o outro que o um. Mas querendo agradar a Tia Anita, o pequeno Tulino começou a contar uma historinha linda sobre Tia Anita e Tio Nonato namorando na praia, o mar fazendo espuma na areia (ai, a espuma da cerveja no bigode...) e os dois fazendo questão de se amar. Pronto. Foi só o que precisou pra Tia Anita mudar de vida: abriu pensão na praia e nunca mais choramingou. E Tulino encontrou uma profissão.
A carreira acabou quando Tulino se apaixonou. O problema não estava em se apaixonar. Claro que não, coitado! O erro dele foi se apaixonar por quem não queria nada de nada. A moça de Tulino saía correndo do amor como matuto de assombração. Tulino prometeu pra ela os sonhos mais lindos que ele pudesse imaginar. E de graça! Prometeu trazer pra vida dos dois o que ele tinha imaginado dentro daquela cabeça toda apaixonada. Mas quem disse que adiantou alguma coisa? A fujona escapuliu e ainda deixou pra trás um desafio: “Não me encontras nem em sonho!”.Foi aí que tudo desandou. Tulino foi na mesma hora pro seu escritório; quem ela pensava que era? Nem em sonho é? Pois ela que aguardasse: ele teria os sonhos mais bonitos e mais variados do mundo, todos só com ela e ninguém mais. Teria sonho de casamento, sonho de reconciliação, sonho de namorinho no cinema, sonho de velhice conjunta, sonho de nascimento do primeiro, do segundo e do terceiro filho e até teria sonho erótico de Tulino e sua moça. Acontece que foi ele deitar pra nunca mais levantar. Não é que a moça cumpriu a promessa? Não apareceu mesmo nos sonhos de Tulino. Sumiu do mapa. Tomou chá de sumiço. Escafedeu-se. Tulino dorme até hoje procurando a moça e tem gente que diz que ele nunca vai encontrá-la. Dizem que algo improvável aconteceu. Não é que a moça finalmente se apaixonou? Foi por um moço engravatado que veio da capital. Agora, enquanto Tulino a procura do lado de lá, ela vive seus sonhos do lado de cá.

PODEM ATÉ SER POSTIÇAS

Saturday, October 07, 2006

Eu sempre quis ter unhas compridas. Bem compridas mesmo, qui-lo-mé-tri-cas. Mas eu não consigo... Unhas respeitáveis, fortes, de moça chique. Não essa unha carcomida que eu carrego pra lá e pra cá. Quero unhas desatadoras de nós, sabe? Nó de marinheiro, nó de cadarço, nó de gravata, nó de tudo o que é coisa amarrada. São tantos...
Ia começar desfazendo o nó na minha garganta. Tá ouvindo minha voz assim, qualquer coisa? Sou daquelas pessoas com a voz naturalmente embargada, de quem só precisa de mais um beliscão pra chorar. É o nó no meio do caminho das palavras. Minha avó falou que é nó nas cordas vocais, mas nada me convence de que não é nó no “eu te amo”. Eu quero falar “eu te amo” mas o nó não deixa; a frase entala na garganta e não sai nem com tapa nas costas. Engasgo pra falar e, quando finalmente consigo arrancar a frase do gogó, meu amor já carregou seu ouvidinho pra outro lugar e ela cai estatelada no chão.
Depois, eu ia desatar o nó no meu peito. Esse incomoda, viu? É nó dos grandes, tão grande que não sobra espaço pro ar dentro do peito. Fico ofegante por falta de espaço e excesso de nó.
Por último, depois de estar bem craque na arte de desatar nós, eu ia desatar o nó que tem na cabecinha do meu amor. Ele diz que não fica aqui comigo porque tem um nó na cabeça. Coisa complicada, que precisa de solidão pra resolver. Como assim?! Me diz se eu tô mentindo: sempre que a gente não consegue desatar um nó, pedimos pra boa alma ao nosso lado que faça o favor de. Tô mentindo?! Pois então!
Amor, eu tiro esse nó pra você! Deixa só a minha unha crescer! E vai ser perfeito porque meu “eu te amo” já vai estar saindo da garganta de baciada e meu peito vai ter muito espaço pra eu suspirar de felicidade.

Pronto, tá decidido. Agora eu só preciso parar de roer as unhas...

QUE NEM GELATINA

Sunday, October 01, 2006

Balança tudo, Rosinha! Você encosta em mim e balança tudo! Balança o peito, balança a cabeça, balança as pernas, balança a vergonha de te roubar pra mim. Acha que posso com isso?! Posso não! Tá louca? Tenho as pernas fininhas, o peito fraquinho e a cabeça cheia de idéia que dá calor. Calor, Rosinha, muito calor! Você encosta em mim, o corpo balança e PÁ, a cabeça esquenta. Daí pro corpo todo fumegar é ponto contado! E você sabe como o calor traz perigo, Rosinha. O calor inquieta o corpo, deixa a roupa apertada que fica difícil de usar. Dá vontade de arrancar tudo e vestir só a Lua. A Lua de lençol e a gente cobrindo-descobrindo as nossas vergonhas embaixo dela. Guarda isso, Rosinha: calor dá perigo e perigo dá calor. Aí tudo se perde. E tudo que eu digo é a cabeça, Rosinha. A gente perde a cabeça lá pra trás, nem lembra onde deixou e nem quer procurar mais! É muito pra mim, Rosinha, posso não... Acha que posso?

...


Rosinha...



Ah, Rosinha...


Dê cá um abraço, vem?

PAPO DE BOTECO

Sunday, September 24, 2006

O banco de passageiros do meu carro é uma perfeita paródia desse meu incauto coração; excetuando-se, é claro, algumas diferenças geográficas e físicas. Quantas vezes já se repetiu essa cena? Eu, inquieto ao volante, observando com a orelha a moça sentada à minha direita na passiva posição de quem é levada pra casa. Do lado oposto do carro, meu coração tentando se localizar no espaço-tempo. Tendo em comum a alta rotatividade e a freqüência de visitas, aposto que, se pudessem superar a cruel divisão de classes entre órgãos humanos e objetos inanimados, meu coração e o banco seriam grandes amigos, daqueles de tapinhas nas costas. Ou pelo menos teriam conversa pra preencher uma noite de boteco.
O coração diria ao banco que inveja sua situação, tão mais confortável. No banco, as moças não se demoram muito, somente o tempo necessário para percorrer a distância entre o fim de noite e a própria casa. Tão pouco tempo que não se criam laços, que por conseqüência não podem ser cortados. Já o banco ia declarar sua vontade de ser coração, querendo é encontrar uma moça que se demore um pouco mais em sua estadia. Que laços sejam cortados! Ele quer é dar nós.
Minhas pálpebras estavam pesando quando deixei a passageira da vez em sua casa. Não por desinteresse, nem por vontade de que a noite acabasse logo; o sono chegava, e ponto. A moça, ofendida, tomou meu olhar fechadinho por um convite a se retirar, me deu um beijinho magoado e se foi. Banco vazio e coração vago, de novo.
Que coisa injusta essa vida que não nos dá direito de defesa. Queria explicar que estava cansado sim, mas que o meu olho fechadinho era chamado para um beijo, e não um eufemismo para o adeus. Ou então desabafar sobre a dura jornada desse estagiário/recém-ator/amargurado universitário/metido à poeta/quase solitário; que ao final do dia deixa só um pozinho de todos que sou.
Mas eu queria mesmo era ser sincero e dizer que, se o sono chegava, era porque eu tinha pressa em sonhar com ela, sentada ao meu lado, acariciando minha nuca enquanto dirijo pela noite sem fim.

A LA CIMA DEL CIELO

Monday, September 18, 2006

A velhice do sapatinho já estava caducando. Aquela senhora olhava para ele como quem olha para uma ampulheta com seus últimos grãos de areia esperando sua vez de correr.

Ela dançava bolero. Tantos passinhos de dança! Ela sempre dançou miudinho mas, mesmo assim, seria capaz de dar a volta ao mundo se dançasse em linha reta. Mas se é pra voltar pro mesmo ponto, pra que sair daqui, não é mesmo?, dizia numa gostosa gargalhada. Isso foi na época em que o sapatinho não estava caducando. Não dançava coisa que não fosse bolero! É só com ele que o sangue fica morno. No tango, o sangue até esquenta, mas atinge o ponto de fervura, inevitavelmente. O bolero deixa o sangue morninho, morninho, no ponto em que dá vontade de chorar.
Depois de muito relutar, pegou o seu LP de Pancho Lyra, mudo desde que começou a juntar poeira. Ela sentia muito frio e a vontade de dançar trazia um incômodo ritmado; quase poderia dançar seu desconforto.

Agulha no disco.
De llevarte a la cima del cielo, donde existe un silencio total...

O sapatinho a esperava amuado em cima da cama. Queria dizer que não sabia mais dançar. Queria dizer que fazia tanto tempo que sua memória de sapatinho caduco não conseguia recuperar o bailado de outrora; sua aparência deteriorada era quase um pedido de desculpas.
A senhora sentiu a alma mais velha do que nunca. Não conseguiria nem mesmo calçar aquele sapatinho. Pra quê? Onde está o seu par? Onde estão os homens vestidos de lavanda, tão bem barbeados? Onde está a força de um braço conduzindo um mundo de pensamentos, sentimentos e aflições? Onde os olhares famintos que a seguiam pelo salão?
Sentia-se acima do céu, perdida em meio a um silêncio total que nem mesmo a voz abaritonada de Lyra quebrava. E achou curioso como, mesmo sem o bolero a amornar-lhe o sangue, sentia a vista chorar.

DE LONGE

Tuesday, September 12, 2006

De certo um engano
Gigantesco equívoco
Malogrado invento
De um vento mundano
Me trouxe sem dó
Pra esse mundo seco
Onde eu sou poeira
Que beira o só.

Não entendo o dialeto
Menos os costumes
Não me identifico
E fico incompleto
Nessa terra rasa
Sem vida ou sentido
Um pobre sujeito
De peito sem asa.

Me levem pra casa, me levem pra casa...

Na minha cidade
O amor nunca enjoa
O moço não chora
Demora a saudade
Não existe desejo
Sem pele que o mate
Nenhuma partida
Na vida de um beijo.

Eu quero ir embora
Voando, bem solto
Num momento breve
Mais leve que o agora
Na forânea brasa
Que avisa, quietinha
Que apesar da calma
Minha alma não atrasa.

Eu quero a minha casa, eu quero a minha casa...

BOA NOITE

Wednesday, September 06, 2006

Deita logo
Do meu lado
Pouco importa
Teu caminho
Nestas tuas
Noites tortas.
O sono pesa nestes
Olhos que te esperam
Lentamente...
Pra fitar-lhe
Tão somente...
Estes teus
Lábios tão gastos
Por ter beijos
Tão freqüentes...
Noutros lábios
Fica o gosto
De um amor que era
Só meu
Mas que neles não
Se perca
Nunca
A frase que
Sempre me adormeceu:


“Deus te dê uma noite boa, que dos dias, cuido eu”.

SÓ LAURA

Sunday, September 03, 2006

Laura só gosta da segunda-feira. Não quer nenhum outro dia.
Ela encontra Fábio aos finais de semana.

Sexta-feira.
Sábado.
Domingo.

E, na segunda, ela sente a dorzinha de um vazio recém-criado. Tem medo de que Fábio esqueça dela entre as confusões dos dias úteis, medo de que alguma quinta-feira decida durar pra sempre, não deixando que a sexta chegue. Mas o maior medo de Laura, o maior de todos, é que uma moça-quarta-feira aproveite sua confortável posição bem no meio da semana, quase eqüidistante do domingo e da sexta, para ter Fábio só pra ela. A covarde...

É na segunda que Laura tem a certeza de querer amar por toda a vida.

Laura ama a segunda-feira!

QUANDO O LÉXICO NÃO AJUDA

Tuesday, August 29, 2006

Uma coisa! Como definir de outro jeito? A Carminha é uma coisa! Do melhor tipo! Que palavra foi feita pelos poetantes de outrora pra definir o que me dá quando ela se pendura no meu pescoço, assim, tão aconchegada? Que letras eu junto pra nomear a carinha que ela faz segundos antes do beijo; naquele momento em que os lábios se abrem de leve? Nenhuma! Carminha é coisa nova, recente no mundo e mais recente ainda na minha vida. Não deu tempo ainda de definir. Necessária... Talvez, necessária talvez. Mas o melhor mesmo é chamar Carminha de coisa, que coisa nenhuma consegue definir.

DE MUDANÇA

Sunday, August 27, 2006

Tão bem vinda...
Pisa leve ao entrar
É cedo ainda...
Tens o dia pra ficar
Ou minha vida
Pra fazer de teu lugar
Deixa o medo
Na tua antiga locação
É tão cedo...
Temos toda a duração
De um enredo

Que é escrito à duas mãos
Do meu peito
Faz morada permanente
Do desfeito
Traz sorriso inconseqüente
Que eu te aceito
Pra ser minha, docemente...

MONALISA

Tuesday, August 22, 2006

Monalisa prende o choro
Finge que não dói a alma
Come o grito por socorro
Por disfarce, usa a calma.
Em sua cama de desgosto
Deita o corpo já bem frio
Repousa, do lado oposto
Solidão, sempre gentil.
Busca o sono que amortece
Fecha os olhos de amante
Foge de quem a esquece
Deixa o sentimento errante.
Sonha, Monalisa leve,
Que o teu coração não chora.
Faz do teu alívio breve,
Situação de toda hora.
E quando acordar, enfim
Guarda a paz tão esperada
Pois a tua dor, em mim
Vai achar nova morada.

SONETO NO ESCURO

Monday, August 14, 2006

Só me falta um pouco de alguém mais
Eu preciso do que não é meu
Já não quero mais silêncio e paz
Quero a voz que diz: “Você e eu”.

Por pensar demais, me fiz lembrança
Por estar tão só, virei adeus
Como a pele que se torna mansa
Por não encontrar amores seus.

Que me acabe tanto espaço vago
Preenchido de suspiro e choro
Tão brilhantes quando a luz apago.

O vazio vai querer transformar
Todo o som que nunca existiu

Em canção de quem só quer amar.

SONETO DA TRAVESSIA

Com os braços já cansados
Ante os mares enfrentados
Sempre encontro pela frente
O meu bando de ilha-gente.

Esse arquipélago querido
Que nunca me deixa esquecido
Nem mesmo se sobe a maré
Nem se eu me afogo sem ter fé.

Me salvam sem conhecimento
Me trazem o não-movimento
Em meio à fúria do mar.

Em seguida, eu parto refeito
Levando boiando no peito
A certeza de um amor insular.

LIMPEZA

Friday, August 11, 2006

Traga-me um balde
Fundo.

Vou me livrar da raiva que faz peso
Vomitar caldo de ódio e desprezo
Expulsar a ferida daqui.

Agora me sinto
Sujo.

Mas que a tua desgraça me lave
Que com as unhas no teu corpo eu cave
A passagem pra longe de ti.

SORTE

Tuesday, August 08, 2006

Do intenso
Faça o breve
Do pescoço
Tire o beijo
Do desejo
Dê ao moço
Amor leve
Mas imenso.

SEIS, SETE, NOVE, DEZ

Queria pular um dia. Posso? Cavar um buraquinho no espaço-tempo e apagar do calendário o dia de amanhã. Posso? Ah, que falta faz um diazico na imensidão que é a eternidade? Um diazico de nada! Um pentelho! As pessoas nem vão reparar... Amanhã é terça-feira; ninguém faz muita questão de terças-feiras. Durmo uma segunda e acordo uma quarta-feira, só com o sangue pra limpar, os ossos pra varrer e um filho da puta a menos pra me aporrinhar. Posso?

AGORA

Thursday, August 03, 2006

Vem depressa que eu não sou mais o mesmo
E o que sou não vai ser muito mais não
Vem enquanto o que eu sou te ama a esmo
Com o que eu já chamei de coração
Não espere que se mude o meu sentido
Que o que eu choro me faça gargalhar
Que o silêncio se torne amor contido
Que o contido se faça esparramar.

Corre que eu não sou coisa que se guarde
Evaporo num leve farfalhar
Que seu corpo me pese sem alarde
Pra que o meu não se ponha a planar
Não pense que no céu feliz me faço
Eu preciso de alguém aqui no chão
Mas a ter que viver pisando em falso
Eu prefiro voar na solidão.

EXISTE DIARISTA PRA CABEÇA DA GENTE?

Monday, July 31, 2006

A bagunça é tanta
Que me perdi parado no lugar
Não mexi um dedo, um músculo que fosse!
E fui parar
Do outro
Lado de lá.

Foi eu piscar os olhos
Foi esquecer a vista
Passou o vento
Bufando
Tirando tudo de posição
Desenterrando aflição
Que fosse.

Perdi a orientação
Saiu voando meu presente
Sem esperar chegar o futuro
Perdi até o que sempre fui
Sobrando um vazio assim, arejado.
Airado
Oco
Que sou.

Que seja!
Bagunças se arrumam
Essências se encontram
Amores se compram
Futuros se sonham
Presentes se ganham.
Só o que me assusta é perceber
Que no meio dessa zona toda

Eu também perdi você.

CORCUNDINHA

Sunday, July 23, 2006

-Perdeu alguma coisa, filho?
-Não mãe, porque?
-Ué, tá aí encarando o chão...
-Tô não mãe, impressão...
-Claro que tá, não sou cega! Tá aí, curvado pra frente.
-Tô muito torto?
-Ô se tá! Mais um pouco olha os fundilhos por baixo.
-Pô mãe, não fala assim!
-Mas é verdade! Mais parece um japonesinho!
-Não é nada mãe, esquenta não.
-Como não é nada? Nunca te vi assim!
-Me deixa quieto mãe! Me deixa aqui com a minha corcunda.
-Vai me dizer o que está acontecendo ou não vai?
-Não dá, mãe...
-Mas que coisa mais deselegante andar curvado assim!
-Eu sei... Pronto, melhor assim?
-Agora tá inclinado pra trás! Tá de brincadeira comigo, moleque?
-Não mãe, longe de mim... Me ajuda a voltar pra frente?
-Ai Jesus... Assim parece o Keanu Reeves naquele filme doido... Como você faz isso?
-Sei lá mãe, me ajuda!
-Pronto.
-Valeu mãe. Bom, vou pro meu quarto.
-Que quarto que nada! Vou ligar agora pro seu pai e ver se ele te conserta!
-Papai é mecânico, mãe, não médico.
-Mas é seu pai! Ele tem que fazer alguma coisa a respeito. Como é que você vai andar por aí curvado desse jeito? E se for grave? E se for pra sempre? E se piorar com o tempo?
-Não mãe, dizem que melhora com o tempo.
-Só se for pra dar a volta inteira e você voltar pro lugar.
-Tá fazendo piada mãe?
-Tô não filho, impressão...
-Bom, tchau.
-Pára de brincadeira vai, já perdeu a graça! Volta esse tronco pro lugar!
-Não dá.
-Porque não?
-Bem que eu queria mãe, mas acontece que esse meu coração pesa por demais...

PENSAMENTO DE UM NÁUFRAGO

Friday, July 21, 2006

O
Amor

Machuca

Quem
Se
Deixa
Velejar

Solto
Feito
Vento

Fundo
Feito
Mar.

TUDO SE ENCAIXA

Wednesday, July 19, 2006

“Ahahahahahahaha!”

É lindo o arranjo das risadas daqueles homens. Sentados, bebendo, a cabeça teimando em filosofar a madrugada. Chet Baker trompetando e a gargalhada sempre explodindo num acorde consonante. Lembram os Três Tenores! Exceto pelo fato de serem um barítono, um tenor e um recém-descoberto contratenor. Ah, e orgulhosamente mais magros que Carreras, Domingo e Pavarotti.
O barítono escreve. Um barítono escritor. Monotemático, só fala do amor perdido. Ah, mas se fosse um amor achado não faria poemas. Faria filhos!
O tenor é pintor. Pinta seus amores, para ver como se parecem quando não estão dentro do coração. Cria mulheres nuas, suas, com o olhar atento que sempre desejou.
O contratenor. Ah, o contratenor... Não é escritor, não é pintor, não é ator, não é cantor, não é nem mesmo desse mundo. Começa por ser contratenor. Mudou-se para o alto das escalas musicais. Quem sabe assim o amor não o alcança...
Nessa madrugada, tudo será mais fácil. Deixemos os amores nas telas que nos rodeiam; todos presos e eternizados em tinta e textura. Deixemos estáticos na pintura os momentos que teimaram em nos fugir. E assim, tendo-os ao alcance das mãos, podemos sentar e nos divertir, afogando no vinho a urgência de amar.

QUALQUER VENTO

Monday, July 17, 2006

Nada me amanhece nesse dia
A luz é fraca, a vida é fria
E o coração pendendo por um fio
Que qualquer ventinho faria partir.
Um descuido! A janela aberta...
E o ar parado em gozação.
Que me derrube logo!
Não peço um furacão ou o ar alucinado
Só uma brisa que me valha
Um leve agitar da atmosfera
Causado por sua mão dando adeus

Ou por um sussurro da tua boca.

PIRILIMPIMPIM

Thursday, July 13, 2006

Criançando
Fazendo da coisa toda
Carrossel!
Rodando pra perder noção de chão.
Desenhando
Ligando pontos à toa
No meu céu!
Tentando assim traçar amor à mão.
Disparando
Rasgando o ar sem medo
Vou voar!
Pra no alto encontrar meu coração.
Viajando
Partindo pra onde o dedo
Apontar!
Chegar aonde não chega a visão.
Inventando
O Mundo do Eu Não Cresço
Nem um pé!
Brincando sem parar pra entristecer.
Gargalhando
Dos anos que não envelheço
Qué, qué, qué!
Do Tempo que parou só pra me ver.

Faço destino de papel e giz
Pois eu nunca me desfiz
Da minha alma bagunceira.

Fico moleque até que o frio acabe
Pois a vida que me cabe
É de fogo e brincadeira.

SHHHHH...

Friday, July 07, 2006

Sempre a uma distância segura
Ela me guarda a 3 metros de perder a razão
Faz de mim uma história
Que se conta sussurrando
Para que o coração não acorde.
Por isso seguimos assim
Ela e eu
Duas retas paralelas:
Nunca nos cruzamos,
Tampouco nos distanciamos.

O CRAVO SOBROU COM A ROSA

Thursday, June 29, 2006

Mas que diabos, esperneou a Rosa
Que foi que aconteceu?
Quem me explica esse vácuo
Esse espaço, esse breu?
Que foi feito do mundo?
Está doente, morreu?
Eu acordo e não vejo
O que sempre viveu!

Mas que diabos, espreguiçou o Cravo
Quem me desperta assim?
Pra que tanta bagunça?
Essa zona sem fim?
Vizinhança maldita
Devem respeito a mim!
Posto que sou um cravo
E não simples capim!

Calma sua besta, repara um minuto
Olha, tudo sumiu!
Foi tudo pra bem longe,
Pra puta que o pariu!
Pra onde foi o mundo?
Cê não sabe, não viu?
Só sobramos nós, moço
Nada além, nem um fio!

E agora? Que faço eu, disse o Cravo
Se mais nada existe?
Me responde, Rosinha
Que destino mais triste!
Que é feito de um Cravo
Que a pouco resiste
A qualquer intempérie
Qualquer dedo em riste?

Era isso o que faltava acontecer
À esta rosa nobre
Moça limpa e católica
Fui sempre muito pobre
Só me fodo à granel
Sem ganhar nenhum cobre
Pra que o mundo se acabe
E um cravo me sobre?

Ouça, seja grata à tua sorte, Rosa
Pois não estarás só!
Antes cravo na mão
Que um mundo em pó!
Vê se esquece esse susto
Desatemos o nó
Chegue mais e se deite
Procriemos sem dó!

Não me toque, sua plantinha tarada!
Guarde seu androceu!
Tire seu olhar morno
Desse meu gineceu!
Não procrio com cravos
Juízo Deus me deu.
Se é pra dar pra você
Morro seca, entendeu?

Mas que coisa! Não precisa ofender-me
Não sou qualquer pidão!
A desgraça me fez
Amar-te, sem opção
Se te peço um filho
É por ter coração
E não querer pro mundo
Um fim sem reação!

Vendo por esse prisma, tens razão!
Sem mais mal-criações!
Serei Madre Tereza
Das novas gerações
Tu serás como Gandhi
De todas as nações
Serás rei e eu rainha
Dizem as previsões!

Isso mesmo, assim que se resolve!
Para ti, meu louvor!
Vamos ser salvadores
Procriar sem pudor!
Deita aqui e relaxa
Aceita o meu amor
Que do Cravo e da Rosa
Surja o novo esplendor!

EU ESPERO

Tuesday, June 27, 2006

Ando à esmo, me encontro perdido
Choro mesmo, menino esquecido
Despreocupado, me agarrei a qualquer mão passante
Que me soltou assim que notou o mal-entendido
Agora, perambulo ofegante
Numa busca nauseante
Por um braço que me seja estendido
Que surja no meio da massa
Da vida apressada que passa
Me deixando sem direção ou sentido
Se a espera, já tão irritante
Perdure, não importa o que eu faça
Não pense que me dou por vencido
Não me faço rogar:
Sento-me e grito, até alguém me achar.

VENDO O CORO PASSAR

Saturday, June 24, 2006

Quem me vê aqui calado
Sem cor, caído e amuado
Dá risada de tamanha besteira
E da minha cara, que se guarda rasteira.

“Por que tanto querer?” perguntam;
“É só o que eu sei fazer...” escutam;
De choro e vontade contida
Eu preencho o que me resta de vida.

Submisso, escuto a anedota
Que o coro, partindo, arrota
Me deixando pra trás, lentamente.

Saem todos contando a piada
Da mulher que, sentindo-se amada,
Abandonou o rapaz, de repente.

REPRISE

Thursday, June 22, 2006

O percurso até o cinema foi o maior que já percorreu. Sentia a mão dela apertar a sua como quem segura a mão de alguém em meio a um furacão. Nenhuma palavra foi dita em meio ao estardalhaço que o silêncio fazia. Foi o caminho inteiro assim: ela o encarava e apertava a mão dele com uma força vinda do útero, os dois dançando a ausência de som. A mão dele já estava pingando suor e os ossos doendo quando chegaram à bilheteria.

Comprou qualquer par de ingressos com a mão que estava livre e se dirigiu à sala de exibição. Ela sempre apertando sua mão direita e o encarando, lacrimosa. Ele, pelo canto do olho, sempre ignorando aquela súplica silenciosa. Não tinha outra opção. Não seria capaz de resistir àqueles olhos pidões que sempre conseguiam o que queriam. E ele estava convencido de que não poderia ceder. Não dessa vez.

O filme começou e durou longas 23 horas. Todos os movimentos se passavam em um bonachão “slow motion”. As cenas se repetiam duas, três, quatro vezes até; fazendo com que aquela situação perdurasse até o limite do desconforto. A mão já formigava e ele poderia jurar que aqueles olhos pidões que ainda o encaravam não haviam piscado nenhuma vez. Ele assistindo ao filme e ela ali, sem piscar, olhando pra ele. Em um momento de fraqueza, ele lhe ofereceu um drops e seus olhares quase se cruzaram. Uma explosão causada pelo mocinho na décima oitava hora do filme acabou por evitar essa catástrofe. O rapaz ainda estava na dianteira nessa disputa.

Ao fim da sessão, ele se levantou apressado e, arrastando a moça que havia se tornado o prolongamento de seu braço direito, chegou à porta da casa dela. Aquele olhar continuava ali, esquentando a sua face, querendo uma resposta. Sem demora e sem encará-la, disse:

“É, então acho que é isso”.

“Adorei o filme” ele escutou “Quando nos veremos de novo?”.

Ele respirou fundo. “Não sei se vou poder te ver de novo”.

“Amanhã?”.

“Olha, não complique as coisas. Acho melhor não nos vermos mais” Já não sentia mais a mão.

“Amanhã então?”.

“Você não está entendendo?” E, num momento de imprudência, ele a encarou nos olhos.

Bem nos olhos.

“... amanhã?”.

“Amanhã...”.

Ela finalmente soltou sua mão. E piscou.

É TUDO UMA QUESTÃO DE PUPILA

Tuesday, June 20, 2006

Os olhos ao escuro se acostumam.










Nada pode ser tão grave
Nenhum vento que me desabe
Nenhum descaso, nenhum entrave
Nem mesmo um amor que me acabe.

Cada segundo que me passa leva um teco de memória
Faz tudo virar história
Luz e fantasia se anulam.
Não me preocupa o breu que agora se impõe
Porque dessa clareza se supõe
Que os olhos ao escuro se acostumam.

VERSO EM CORRENTEZA

Saturday, June 17, 2006

Fiz da minha lágrima um fiozinho
De água morna, um riozinho
Que me corre vagaroso.
Lágrima que dispara assim que brota
Dança e traça a própria rota
Corre o rosto desgostoso.

Todo sonho é feito de alma solta
Todo choro é cheio de alma presa
Toda alma quer ser avião
Pra ficar longe do chão
E mais perto da certeza.
Toda fantasia é quase um salto
Toda solidão tem muita pressa
Toda brincadeira é bem-vinda
Como o riso que não finda
E o tempo atravessa.

Que a lágrima não se faça perene
Que não me faça solene
Não me tire a inspiração.
Que eu chore e evapore todo o sentimento
Junte tudo em um momento
E solte em bola de sabão.

SONETO DA SAUDADE

Friday, June 16, 2006

Um silêncio pulsando
Quase gritando
Chamando um nome
Que no choro some.

Minha velocidade
É de peso e saudade
Da vontade que movia
A minha pele, agora fria.

Sentado, em meio ao vazio
Tento lembrar , à voz rouca
O gosto que tinha o seu nome na minha boca.

Observo, sem reconhecer
Na moça que se faz de serena
O amor que deixou minha vida pequena.

IMPRODUTIVO

Wednesday, June 14, 2006

Olho o papel na minha frente
Deitadinho, a cochilar
Coitado! Cansou de esperar
Por meu verso inexistente.

E a caneta, constrangida
Fica imóvel entre os dedos
Sente falta dos enredos
Que traçava, envaidecida.

Me perdoem, companheiros!
Mas parece que a imaginação
Se perdeu nos nevoeiros

Ou então foi o coração
Que, na falta de um amor verdadeiro,

Fugiu com a minha inspiração.

PEÇA TROCADA

Sunday, June 11, 2006

Perceba o nosso equívoco:
Pretendia ser a sua nova história,
Você me queria como curativo.
Mas faltou algo imperativo:
Não deixamos pra trás os ventos da memória.

Me explica como pode esse amor funcionar
Se o vazio que eu trago para você ocupar
Tem a forma de outra mulher.

FUGA

Saturday, June 10, 2006

Me leva, me leva, me leva
Me puxa pela mão
Me empurra pelas costas
Me atira para além da vista
Bem ali, aonde a lembrança ainda não chegou.

Fecha os meus olhos,
Mas não deixa de falar nos meus ouvidos
Quero enxergar o mundo que me passa através do teu verbo.

Se perde comigo no escuro
Segura a tua ânsia de chegar
Porque o melhor que há na fuga

É o não olhar onde se pisa.

ENTREPASSOS

Tuesday, June 06, 2006

Tô morrendo de pres
Sai corren
Do lugar que eu esta
Varrendo o ven
Tocando a puta
Ria do desespe
Rodava a baia
Na louca vonta
De viver de milési
Morto de cansa
Do dia ocupa
Do motivo arranha
Do sono inquie
Todo mundo me enga
Nada se comple
Tamanha a pres
Saudade do tem
Pode me dei
Tá tudo rodan
Do pouco que res
Tá tudo acaba
Do pouco me rou
Bandido bara
Todo mundo descan
Sacanagem comi
Gostava de a
Mar nunca mais vi.

FLORES PARA DOUTOR EUGÊNIO

Friday, June 02, 2006

“Eu vou mandar rosas!”

Ele estava em frente à floricultura decidindo o seu futuro e revendo o recente passado. A marca no pescoço e os arranhões pelo corpo ainda pulsavam cheios de imediatismo.
Ela foi uma dessas surpresas da vida, um vento que levanta a saia da menina e expõe suas partes baixas. É, era assim que ele se sentia: com as partes baixas ao vento. Aquela mulher alta apareceu sem fazer barulho que a denunciasse, trazendo em mãos um maço de cigarros e pelo corpo magro um aroma de maçã. Ele odiava o beijo das fumantes; o dela tinha gosto de maçã.

“Não, vou mandar lírios!”

Ele também a surpreendeu. Isso, ele percebeu durante o primeiro beijo. Uma postura despreocupada deu lugar a uma vontade de crescer e, porque não, voar nos braços daquele menino cabeludo. Ele estava adorando fazê-la voar, como a uma pipa ganhando as nuvens.

“Cravos! Não, cravos são para homens...”

Uma caminhada pela calçada úmida e vazia, abraços que pediam para se repetir, o beijo longo de maçã e uma cama que assistia passivamente o reencontro de dois vazios. É karma, ela disse. Coisa de outra encarnação. O sono se tornou secundário e a noite um estado de espírito.

“Existe uma flor chamada bétula?“

Ele foi embora, simplesmente. Ela disse: “Na próxima vez...”.
Ele: “Vai ter uma próxima vez?”
Ela: “Depende...”
Ele: “Do que?”
Ela só ri.
Sem telefones. Não era a hora.
Ele foi embora, com a impressão de ter esquecido alguma coisa na casa da moça. No dia seguinte percebeu que se esqueceu de levá-la embora com ele.
Ele guarda o endereço da cama: Rua Doutor Eugênio 43. Rua Doutor Eugênio 43. Assim que sentir vontade, volta a procurá-la. A moça e a cama.

“Rosas! Eu vou mandar rosas!”

SEU

Thursday, June 01, 2006

A lágrima não seca
A dor não passa
O sorriso não míngua
O amor não some
A paixão não cala
O calor não morre
A razão não fala
O olhar não chora
O lábio não beija
A pele não esquece
A mão não cuida
A noite não cresce
O beijo não cura
O dia não rende
A alegria não dura
O corpo não dança
A música não toca
O final não chega
O final não chega
O final não chega


E eu ainda a te amar...

NÃO FLORZINHA, NÃO...

Wednesday, May 31, 2006

Voa não, minha Florzinha, voa não...
Fica longe de tudo o que é céu.
Abraça a raiz que te faz rasteira
E não vá se perder por qualquer besteira
Como um amor que te engana e te deixa ao léu.

Sonha não, minha Florzinha, sonha não...
Fica longe de tudo o que é bom.
Finge paz no teu leito de dor
Finge arte onde não há um pingo de cor
Canta ao lado de quem não sabe emitir um som.

Ama não, minha Florzinha, ama não...
Fica longe de tudo o que é meu.
Afinal, de que serve o meu olhar sofrido
Meus sussurros, o meu canto sentido
Se não pra lembrar-te de tudo o que não aconteceu.

A TRISTE VIDA DENTRO DE UM MONÓLOGO

Tuesday, May 23, 2006

Sai correndo, o solitário,
Sem horário pra voltar
Procurado, sai fugido
Decidido a se encontrar
Segue o rumo que a saudade
De verdade identifica
Pisa leve, com a candura
Da ternura que não fica
No caminho, a memória
Monta a história que quiser
Sete filhos, companheira
A vida inteira sua mulher
Nessa fábula tudo é sim
E sem fim é a alegria
Solidão é raridade
Felicidade é noite e dia
Terminado o itinerário
O solitário está só
Concluída a sua andança
Vê a esperança virar pó
Chega ao fim da viagem
Com milhagem de carteiro
Não encontra coração
E a ilusão de ser inteiro
Com a noite já bem alta
Tendo como ribalta o luar
Nesse palco tão vazio

Tanto frio o faz chorar.

CONSUMADO

Saturday, May 20, 2006

Que faço se o dia vira noite
E todo dia à noite
A noite apaga e vem o dia?
Para o inevitável, passividade

Para o fato, respeito
Diante do bloco da certeza, só nos resta abrir passagem.

ORBITANDO

Friday, May 19, 2006

Que bom de abraçar é o gordinho!
Tanta vida e ar ofegante
Tão redondo e aconchegante
Que me sinto abraçando um mundinho.

ARZINHO

Wednesday, May 17, 2006

Sua cara quando gargalhava tinha um arzinho de dor. A sobrancelha em circunflexo e as lágrimas escorrendo; era a felicidade que crescia tanto que chegava a machucar a alma. Mas sua dorzinha me dava a satisfação da missão cumprida.
Hoje em dia, minha cara quando dou risada tem um arzinho de dor. Mas é dor mesmo o que trago enquanto finjo bem-estar; sinto falta da sua dorzinha.
Deixo solto um arzinho para controlar o vendaval.

ACABA O CARNAVAL

Tuesday, May 16, 2006

Vou embora e levo junto o teu abraço
Pra que eu não sinta frio nem vontade de voltar.
Me arranco da tua pele sem deixar remendo
Parto com o baile e deixo o dia amanhecendo
Pra que na memória, a noite seja o teu lugar.
Quero que sintas o amargo da distância
Como um corte no céu da boca que não deixa de sangrar.
Vou marchando sem saber pra onde ir
Para que sem destino, minha viagem não possa acabar
Levo o meu pandeiro e teu descaso
Deixo a saudade sambando em meu lugar
Que ela agüente agora a tua ausência
E tudo o mais que eu não pude suportar.
E ao novo casal eu desejo vida alegre
Com luz, confete e serpentina
Mas saiba que tua nova dama não lhe é fiel
Pois a saudade também é minha triste columbina.

PRESO

Monday, May 15, 2006

O ar em volta é pesado, viscoso
Nos deixa curvados
É o medo em seu estado esplendoroso.

Somos todos

entocados

estocados

Uma futura falta, um minuto de silêncio em potencial.

Não sei se vivo pesadelo
Ou a desperta realidade

De um sonho que acabou.

POIZÉ

Thursday, May 11, 2006

PoiZé é um matuto acanhado
Bem apanhado, porém mal cuidado
É moço de vocabulário breve.
Pra qualquer pergunta que lhe façam
Responde, o olhar baixo e a voz leve:
“Pois é...”.
Quem insiste em arrancar de PoiZé
Algo mais que um suspiro e um “pois é”
Vai cansar se esperar em pé.
“Pô Zé, fala mais seu mané!”.
Já pensaram que fosse moco
Ou talvez um piá louco
Fizeram pouco desse seu jeito
E pra Cristo o rapaz foi eleito.
Mas o matuto sabe muito da vida
Quem o ama precisa entender
Que protegido por sua fala contida

PoiZé põe pouco a perder.

SONO DE ISABEL

Tuesday, May 09, 2006

Dorme bem, Isabel
Cala a vida com teu sono infantil
Tece o fio que costura alegria
Que de dia te acorda assustada
E à noite te entrega o céu.

Deita e sonha, Isabel
Que a cama te abraça quentinha
E quietinha em teu sono profundo
Guarde o mundo de um moço desperto
Triste, incerto e preso em carrossel.

O dia é triste, Isabel
Traz o Sol que ilumina o espaço
Onde passo e encontro o vazio
Que o frio ocupa na tua ausência
Trazendo saudade, a dor do infiel.

MORAES OU MONET?

Saturday, May 06, 2006

Ah! Como eu queria ser pintor
Mas eu não sei nem combinar cor
Sou rapaz sem destreza
Para questões de estética
Uso calça amarela e frenética
Com um blusão azul tristeza.

Falta cor na minha vida
Essa tela, gasta e puída
Sem textura, relevo ou conceito.

Ah! Como eu queria ser pintor
Mas eu nasci pra ser um trovador
Uso um lápis, e não pincel
Para pintar com o alfabeto
A forma e a cor do meu afeto,
Sem tela, uso qualquer papel.

Mas a idéia colorida
Que se guarda condoída
Não consegue sair do meu peito.

Ah! Como eu queria ser pintor
Mas eu só sei falar de amor
Discurso horas sem cansar
Sobre a paixão e seus tormentos
Mas não sei, para o sentimento,
Qual cor devo reservar.

Fico assim preto no branco
E o sangue incolor estanco
Com bandagem e poesia.

FAZENDO CONCESSÕES

Tuesday, May 02, 2006

Que ela me olhe com olhos de gripe
Que me guarde segredos e confie mentiras
E voe distante quando começo a falar
Posso até aceitar.

Que ela chegue em casa quando eu já dormi
E que saia pra rua antes do dia raiar
Me deixando sozinho, saudoso e invisível
Até acho possível.

Se ela dança binário e eu três por quatro
Usa calça mais justa que o Senhor nosso Deus
E distribui amor pra quem quiser receber
Posso até entender.

Mas um absurdo eu não admito:
Que a moça devassa cometa o delito
De tirar-me o beijo com sabor de infinito.

ADEUS NUM POST-IT

Friday, April 28, 2006

Tô juntando meus trapos, meus panos, farrapos.
Levo embora os anos, os retratos, maus tratos
Ponho a trouxinha nas costas e levanto as respostas da despedida
Largo a vida vendida, busco a solidão de uma fala perdida.
Na minha cama vazia a lama fazia a vez do abraço
Era tanto espaço que eu era eco em meio ao lençol.
Mas agora é hora, eu to indo embora pra longe de ti
Não fico mais aqui pra viver de migalha que tua bondade espalha.
Que a sua mortalha seja de saudade, sei que é vaidade pensar assim

Mas que o penoso fim te mostre a verdade que havia em mim.

BED TIME STORY

Tuesday, April 25, 2006

- Que te fiz pra não sorrir?
- Nada.
- Como nada!?
- Nada.
- Então...
- O que?
- Ah, esquece!
- Quem tá lembrando é você...
- Claro que tô! Claro que tô! Que quer que eu faça?!!?
- Me deixa em paz, ia ser uma boa...
- Ah, que engraçado! Vai, um sorrisinho só...
- ...assim?
- Tá, se é com má vontade não faz então!
- Que bom que chegamos a um acordo...


...


- Você é sempre assim, né?
- Já voltou?
- Custa!? Só me diz isso, custa!?
- Custar, não custa não...
- Então!
- Então...
- Então, porra! Então!
- Tá?
- O que?
- Então tá?
- ...então tá.
- É, não foi dessa vez.
- Não tem problema, amanhã eu tento de novo. Boa noite.
- Boa noite. Te amo.
- Também.

MONIQUINHA

Monday, April 24, 2006

Moniquinha era diminuta
Bem pequena, de dar dó
Dava pena, de tão só
Dava raiva, de tão bela.
Tinha medo de ir à luta
E perder o que nunca foi dela
Preferia ser assim, aquarela
Com só duas cores pra pintar.
Ela queria garantias
De que não ia se machucar
Sem entender que a vida
É lição pra se errar.
Eis que um dia surge Jota
Moço faminto por sentir
Viu Moniquinha passando
Cruzando por sua rota
Tentou pegá-la pela mão
Chamar seu nome
Gritar que não
Mas só conseguiu se apaixonar
E sentir uma enorme e vazia fome.
Quis amá-la eternamente
A começar naquele instante.
Moniquinha estremeceu
Tanto medo, tanto risco
Que de pronto, empalideceu
Ao ver-se na eminência de amar
Pois o romântico Jota
Era o que ela a Deus pedia.
Jota, mais que inconformado
Deu à moça seu esforço
Praticou o bem querer
Gastou todo seu lirismo
Quis fazer por merecer.
Moniquinha, a minúscula
Achou Jota inconstante
Rejeitou seu romantismo
Magoou seu coração.
Jota ainda fez milagres
E arrancou-lhe um beijo terno
Brevemente, teve a bela
Como amor para toda a encarnação.
Mas medrosa Moniquinha
Preferiu se camuflar
Com outro amor de mentirinha
Para espantar o rapaz
Que poderia acorda-lhe o coração
Para não dormir nunca mais.
Partiu Jota desolado
Prometendo não voltar
E por causa da menininha
Ninguém mais o viu apaixonado.
Em seu quarto isolado
Moniquinha se trancou
Triste por perder o amor
Que se apresentou tão de repente
Mas feliz por não ter que chorar
Por um amor que a teve nos braços
Para depois se fazer ausente.

FAZER O QUE?

Wednesday, April 19, 2006

Devo ter passado alguém pra trás
Matado, xingado, roubado ou qualquer dessas coisas más
Não sei exatamente o que eu fiz
Mas acontece que o amor já não me quer feliz.
Eu que sempre fui nobre companheiro
E considerava ser, em se tratando de amor, o maior mensageiro
Sempre fiz questão de ser cavalheiro
Abria porta de carro e puxava cadeiras o dia inteiro
Eu até já tinha uma conta na floricultura
Fazia da vida da moça uma história sem fim de carinho e ternura
Mas já não importa tudo o que eu já fiz
Hoje o amor me informou que não me quer feliz.
Me diga, de que vale ser bonzinho
Se quem quer amar de verdade acaba chorando sozinho?
De que adianta ser poeta
Se cada palavra que eu digo passa de raspão, mas nunca acerta?
Mais vale ser homem de galinhagem
Levar a moça pra cama, esquecer o jantar e qualquer outra bobagem
Queria ser da paixão um aprendiz
Mas o que faço se o amor já não me quer feliz?
Mas antes de viver nessa perdição
Onde uma bunda bem feita vai me valer mais que qualquer coração
Vou tirar umas férias dessa vida
Vou mudar pra onde a gente não é mais ferida
Vou tratar de esquecer qualquer romance
E mandar avisar ao amor que ele já teve sua chance
Para eu viver de amar faltou um triz
Mas acontece que o amor já não me quer feliz.

AMANTE VENTO

Tuesday, April 18, 2006

Te beijo ventando
Trago o prazer instantâneo
mesmo que seja raro e momentâneo.

És minha quando quero
Roço em teu corpo a rodopiar
para depois ir ventar em outro lugar.

PARABÉNS PARA MIM

Sunday, April 16, 2006

Amanhã vou acordar pesado. Muitos pensamentos pra carregar. Vou reviver passos que me fugiram apressados, na direção oposta, sem olhar pra trás. Vou meditar sobre o ontem e ver, em cada pequeno detalhe, a imensidão do meu presente.
Hoje senti sua falta. Senti mesmo, ela estava sentada do meu lado, um braço apoiado nos meus ombros, o outro balançando inocentemente. Caiu sobre nós um silêncio incômodo, como nunca tivemos antes. Na verdade, ele existiu, logo no nosso começo, mas foi logo preenchido pelo gosto em comum por suco de goiaba. A sua falta pesava. Até a hora em que ela me disse: “Baby, mudanças são pra sempre”.
Você está tão longe agora... Tão longe... Nem quando não nos conhecíamos você esteve tão distante. Um exílio forçado. Começo a pensar que você não vai voltar como foi combinado, vai descobrir que o buraco que eu deixei no seu peito já foi há muito preenchido por amigos heterogêneos, camas redondas e garotos que já têm namorada. O meu vazio não fecha, ah eu não deixo! Quando começa a ser preenchido por amigos heterogêneos, camas redondas e garotas que já têm namorados, eu cavo tudo de novo até ficar na profundidade certa dos seus um metro e meio disfarçados de um metro e cinqüenta e cinco.
Amanhã eu receberia um poema, escrito numa folhinha pequena. Versos lindos, que diriam coisas que eu não saberia enxergar. Você faria meus cachos negros rimarem com amor eterno. A falta da sua poesia me fez escrever: quem tem poesia na vida uma vez, não pode ficar sem ela nunca mais.
Hoje eu escrevo um texto pequeno e sem poesia, não tento imitar a beleza que me chegava aos olhos em outros aniversários. Só pretendo que as letras me abracem amanhã, ocupando o meu ombro vazio antes que a sua falta chegue novamente para então ficarmos em silêncio.

REVIRANDO

Friday, April 14, 2006

Tortinho
......Tor
ti
..............nho

Não acho
mais
.......................posição quando
durmo
....................................................sozinh






o.

SONETO DA ETERNA NAMORADA

Tuesday, April 11, 2006

Desde o primeiro calafrio
Fez-se eterno o compromisso:
És meu doce desvario,
Sou teu moço submisso.

Apesar de tantos desencontros
Feitos de acaso e ironia
Sei que além estaremos prontos
Para um amor em pleno dia.

Te assisto meio à distância
Vivendo da incômoda ânsia
De explorar teu coração.

Do menino que fui no passado
Resta o amor eternizado

Esperando conclusão.

DA CRIAÇÃO DO MUNDO

Saturday, April 08, 2006

Ela nasceu da luz que faz a Lua quando quer se apaixonar. Da fagulha, o ar em combustão criou a beleza pura e nova. A pequena criatura mágica permaneceu no céu durante alguns minutos, sustentada pela leveza que só possui quem já nasceu no alto. Desceu planando, amparada por coral de pequenas borboletas amarelas, que a depositaram com esmero em tapete verde. A grama, ao se sentir tocada, se revolveu em ondas, trazendo ao mundo a carícia primeira.
Num movimento muito preguiçoso, a menininha foi abrindo os olhos. O mundo só se fez possível com seus olhos bem abertos. Para poupar a vista delicada que recém conhecia a vida, as estrelas subiram o mais alto que podiam, passando a viver na resignação dos distantes. A primeira inspiração trouxe o vazio que o mundo não estava preparado para sentir. A expiração que se seguiu formou leve brisa, agitando palmeiras e cajueiros numa dança preguiçosa.
Sentiu-se pequena e poderosa, a criatura. Percebeu que, ao abrir seu primeiro sorriso, instalou-se a primavera em todo e qualquer espaço vago. Que, ao seu chamado, o sol surgia humilde, contendo-se em sua majestade. Bastava-lhe um leve fechar de olhos para que o mundo dormisse e se perdesse em leves sonhos.
Decidiu que andaria, seguiria o caminho que nasceu pra traçar; caminho em volta do qual o resto do mundo se criou. Mas não ainda. Aquele mundo era todo seu, curvado diante do milagre que representava essa pequena e divina criatura. Não tinha porque ter pressa, o tempo estava a esperá-la.
Virou-se de lado, levou o dedão da mão direita à boca e mergulhou na maior das sonecas. Deu-se ao direito de não existir, pelo menos por algumas horas, para aquele mundo que ansiava em ser seu. Logo acordaria e daria início à História.

SONETO INSONE

Thursday, April 06, 2006

Coberta de paz e beleza
Serena, dorme a menina
Respira, aquece e fascina
Apagando qualquer incerteza.

Repousando amores vividos
Transpirando intensos desejos
No corpo, permanecem os beijos
Que invadem seus cinco sentidos.

Observo, sonhando acordado
Me tornando menino encantado
No silêncio da noite arrastada.

E insone fico imaginando
Se no sonho que está habitando

Sou o amor que a deixa acordada.

CASUAL

Monday, April 03, 2006

Vamos fazer de conta
Criar uma paixão hercúlea
De trazer à tona gritos e rugidos.

Vamos fingir que é meu
Teu toque tão leve e seu
Meu sorriso acanhado
E que seu colo existe pra me dar vazão.

Vou sorrir te olhando o corpo
Te fazer noites em claro
Produzir beijos exploratórios
Encenar a respiração alterada.

Veja em mim o que te falta
Prometo que te faço acreditar
Que o momento é perfeito, o ar rarefeito

E num momento insensato de lucidez
Fecha teus olhos e sonha que eu te digo
A voz risonha
Que sou tudo o que você ainda não desejou

Existo assim pra ser carente
Preso ao movimento combinado
De um abraço simulado que a vida não juntou.

Vem viver sem tentar ser perfeita
Feito história que ocupa a tarde
Mas que na vida deixa um vazio.

SONHANDO

Thursday, March 30, 2006

Linda, a fantasia minha:

De dia te beijo amiúde


De noite te vejo rainha.

PEREIRA, O DIRETOR HIPOTÉTICO

Monday, March 27, 2006

Não sou mais ator, eu cansei dessa vida
De chorar, de sorrir, de cadência sofrida
Não quero um fulano mandando minha arte
Vivo agora seguro dentro do meu baluarte
Senhoras e senhores, que comece o segundo ato
Agora, meus amigos, eu sou diretor de teatro.

Não tem mais porque eu sair do ensaio
Chorando, berrando, beirando o desmaio
Não tem mais ninguém pra dizer que não gosta
E que tudo que eu fiz com carinho é bosta!
Eu sei, tô mudado, diferente de fato
Mas não tô nem aí, eu sou diretor de teatro.

Falo o que eu quiser e me finjo de surdo
Verborréias, palavrórios ou qualquer absurdo
Eu vivo um papel só para os “meus atores”
Mas se subo no palco, quem me vê sente dores
Perdi a noção, já não morro sensato
E daí? Que se foda, eu sou diretor de teatro!

Que importa se erro nas concepções
E meus dramas profundos viram pastelões
Eu só quero explodir num imenso rompante
Depois fumar um cigarro com o olhar distante
Qualquer probleminha eu transformo em parto
Que seja! Que lindo, eu sou diretor de teatro.

Se o que falo não traz o menor resultado
Deve ser porque estou quase sempre drogado
Se eu nunca criei nada muito importante
A culpa é dos atores, já que eu sou brilhante
Se só tenho talento para morrer de infarto
Que eu morra! Mas morro diretor de teatro!

DESENCONTRO

Wednesday, March 22, 2006

Como está a sua vida longe, do outro lado?
Longe do meu florescer, nosso passado
Longe do lar que te fiz em verso e prosa
Perto de não ser mais meu doce amado.

Onde está teu peito nesse mesmo instante?
Em que te guardo aqui dentro, e tu me tens distante
Em que sou moça triste à espera da rosa
Que você me traria, com um sorriso hesitante.

Agora que não sou mais teu motivo
Mesmo sendo alheia, sobrevivo
Mesmo esquartejada, me equilibro.

Meu corpo em tuas mãos, meu sopro em teu ouvido
Viver da tua falta, isso sim faz mais sentido.

PREPARA O TEU VÔO

Sunday, March 19, 2006

Não derrama mais nenhuma gota
Em teu choro doído de decepção
Pois se agora o que já foi verdade não existe
E tu me tratas armada com um dedo em riste
A manta que hoje te veste rota
Já foi de seda pura do meu coração.

Não machuca teu peito sofrido
Cutucando a ferida que eu criei
Deixa o tempo crescer e passar sutilmente
E a tormenta morrer e sumir lentamente
Devolvendo ao céu o colorido
Que num grito de mágoa apaguei.

É depois de prender-se pesado num chão de amarguras

Que podemos sentir a leveza de voar a maior das alturas.

POR UMA BUNDA EVIDENTE

Wednesday, March 15, 2006

Pedro era engraxate
Pintor frustrado na arte
Só era seu um alicate
E um velho bacamarte.
Rita era glamurosa
Prostituta luminosa
De beleza ruidosa
E existência venenosa.

Ele estava trabalhando
Mil sapatos engraxando
O sovaco gotejando
Na labuta se matando.
Ela passou reluzente
Com um ar bem imponente
E uma bunda evidente
Que mexia atraente.

Fez-se Pedro um fedelho
Teve ímpetos de coelho
Ficou quente e vermelho
Pôs-se a rezar de joelho.
Rita toda lisonjeada
Viu o moço e não fez nada
Seguiu sua caminhada
E manteve a rebolada.

O moço não se fez rogado
Já estava apaixonado!
Foi pra casa apressado
E largou um sapato desengraxado.
Linda Rita nesse ínterim
Pra dez homens disse sim
Deu em lençol de cetim
E em um sujo botequim.

Pedro voltou flutuando
Terno velho ostentando
Rosas vermelhas carregando
E perfume barato exalando.
Rita viu e deu risada
Do moço que não tinha nada
E disse, com uma gargalhada
“Isso é pouco e não me agrada!”.

Ele perdeu as estribeiras
Rolou pelas ladeiras
Perdeu-se em choradeiras
Que geraram corredeiras.
Vendo ela tal desgosto
Mal se moveu em seu posto
Descansou em seu encosto
Nenhum remorso em seu rosto.

Pedro fugiu em depressão
Rumo à própria execução
E, o bacamarte em posição
Alvejou o próprio coração.
E por Rita mais um morreu
Dessa moça, todo mundo já comeu
Mas nunca ninguém mereceu
Ouvir: “Meu amor vai ser só seu”

POEMA AO PÉ DO OUVIDO

Monday, March 13, 2006

Se te olho para sempre é por estar a imaginar
Que bons ventos e quentes hálitos te trouxeram para mim
Se te beijo em desespero é por sentir-me esvaziar
Por saber que o tempo é pouco e que o beijo tem um fim.

Se te mordo a pele em febre, é que o toque não me basta
Não sufoca a saudade que me guarda impaciente
Se te passo a mão ao corpo e a pressa não me afasta
É por seu doce murmúrio que me faz inconseqüente.

Quanta vida tua se torna minha no espaço de um mês?
Que fazer se o leito é sonho e o teu colo lucidez?

NOVA MENTE

Thursday, March 09, 2006

Chega agora de empecilhos
de fisgadas
cabeçadas.
Foi-se embora todo o tempo
da amargura
da censura.

Agora eu só quero
o que me vem
natural
mente!

E só
mente. Final
mente...

RECREIO

Tuesday, March 07, 2006

Na massa uniforme e morta
Um mesmo som se cria
Uma voz, uma idéia vazia
Um sorriso de boca torta.

No meio do burburinho irritante
O que penso parece falhar
Numa nuvem de pó se espalhar
E virar algo pouco importante.

É uma grande e fútil parada
Onde tudo parece agir
De forma plástica e ensaiada.

Eu sou linha curva ascendente
Em meio à multidão toda reta

Que sorri, mas não sabe o que sente.

SINAPSE

Sunday, March 05, 2006

...solto na correnteza a leveza parece perfeita vestimenta Flutuo no movimento sempre lento do meu corpo mas a mente rapidamente corre em frente como um sopro foge depressa não há quem meça o tamanho do meu coração nesse instante Sorriso constante sensação inebriante de assistir de fora o que me é reservado pois assisto calado segurando a gargalhada que explode num tremendo rio de satisfação onde fico solto na correnteza a leveza parece perfeita vestimenta me tenta a todo o momento Sofrimento parece lembrança perdida numa infância esquecida por onde a vida passou e não Me avisou da fraqueza existente numa alma dormente sem ter a paixão que me faz ser latente guardo como presente o que você de mim Levou em mim nunca faltou sentimento insistente que se alimenta do choro que derramo qual soro peço Ao regente supremo que me leve sem termo se não paro meu peito em qualquer firmamento me recordo o seu coro de “Life´s like a song” que me vem já cifrado por orquestra arranjado muito e muito ensaiado sem qualquer percussão me desculpe se deixo uma má impressão tenho grande o coração e me veste a leveza tenha sempre a certeza que não sou sempre assim você só me pegou corpo acelerado a cabeça no meio de um pensamento atropelado...

SONETO DO ÚLTIMO ADEUS

Tuesday, February 28, 2006

Vou deixar-te em silêncio escuro
dar-te o desdém maciço e puro
vou fazer toda a tua vontade
por pura veemência e caridade.

Que a solidão que tanto cultivas
faça a dor e a paixão sempre vivas
e a tragédia que encenas em vida
fale sempre de adeus e partida.

Se te falta o amor que sonhaste
A mim sobra no ventre o desejo
De viver sem que nada me baste.

Se é melhor só sonhar primaveras
No conforto de viver o medíocre

Serás sempre o que nunca quiseras.

TE AMO DESDE A PRIMEIRA BORBOLETA

Saturday, February 25, 2006

A primeira borboleta apareceu no dia em que Jonas conheceu Camila. Era verde, por isso chamou a atenção do rapaz. A borboleta, não a mulher. Ele estava sentado no banco da praça, como fazia todas as manhãs nos últimos 15 anos, desde que a consciência de sua solidão tornou-se pesada demais. Sentava e cumpria o seu papel de homem velho e solitário; sentia-se fazendo um bem à humanidade desse jeito. Seu avô foi um homem solitário, assim como seu pai e um irmão de sua mãe. Tem-se notícia também de um parente que teve papel importante na corte durante o Império. Todos bons sentadores de banco de praça.

A borboleta, insolente, pousou na ponta do nariz pontudo de Jonas. Aquele borrão verde que atrapalhava a leitura de seu jornal parecia um grilo. Jonas tinha medo de grilos! Um tapa mal calculado gerado por uma afobação desmedida acabou por quebrar-lhe o nariz. E toca pro pronto socorro consertar o nariz pontudo.

"Maldita borboleta verde, quis dar uma de grilo e quem se deu mal fui eu" disse Jonas se dirigindo à borboleta que o seguia até o hospital, como que a escoltá-lo como uma forma de se desculpar.

Saiu do hospital, sempre com sua acompanhante borboleta, com uma tala no nariz e uma saudade enorme de seu banco, pra onde correu sem demora. Ainda faltavam 40 minutos para o meio dia, poderia aproveitar o resto da manhã admirando a sua própria solidão. Mas ao chegar na praça, quase pensou em voltar correndo ao hospital. Faltou-lhe o ar, a pressão caiu, sentiu que ia dessa pra melhor. Enfim, Jonas se apaixonou naquele exato momento. Sentado no seu velho banco estava uma senhora com seus cinqüenta e poucos anos já vividos, o cabelo querendo ficar branco e uma solidão que seria capaz de engolir a de Jonas. Depois de uns cinco minutos de completa pasmaceira (poderiam ter sido quarenta e cinco, pra que serve o tempo nessas horas?) Jonas fez o que era de se esperar de um homem apaixonado: fugiu apavorado e tomou o rumo de casa. Acompanhado de sua borboleta verde, é claro.

Passado o dia e uma noite agitada, Jonas acordou com nova borboleta borboleteando sobre sua cabeça. Agora eram duas a infernizar sua vida, como se não bastasse a senhora solitária que teimava em não sair de sua lembrança. Qual seria o nome dela? O que ela fazia sentada naquele banco? Seria também de uma linhagem de gente sem ninguém? Sentou-se à mesa do café da manhã com suas duas visitas e tomou o seu café preto sem açúcar de todo o dia. Vestiu um abrigo por cima do pijama e correu em direção ao seu banco de praça, na esperança de encontrar de novo a senhora do dia anterior.

Não encontrou. Passou o dia inteiro esperando, mas a mulher não deu as caras. E agora, todos os dias de sua vida, Jonas passa esperando a mulher que tem uma solidão maior que a sua. E a cada dia que passa, uma nova borboletinha verde se soma à comitiva que o acompanha. Pode-se medir sua espera pelo número de bichinhos voando sobre a sua cabeça (são 78 hoje) e pela prostração que apresenta sentadinho em seu banco, fazendo força pra guardar aqueles únicos cinco (ou quarenta e cinco) minutos em que teve seu amor preso no olhar.

SONETO DE UM VAZIO CONSTANTE

Wednesday, February 22, 2006

Pálida cor se faz presente
como um pássaro que voa em prantos
trazendo de longe uma série de cantos
sobre uma dor que já não se sente.

Vejo o amor passar distante
fazendo eco ao me ouvir chamando
um peito oco, o som reverberando
em um vazio que já é constante.

Quero ver-te entrando sorrateira
sorrindo pura e verdadeira
o choro preso morrendo angelical

Vem dar-me a tua alma inteira
E dizer-me, a voz ligeira:
- Te amo como se fosse o final...

OUVE QUEM JÁ CONHECE DO ASSUNTO

Monday, February 20, 2006

Não preciso que me expliques
o curto tempo, o longo beijo
e o fato de eu ter nascido no formato do teu abraço.

Que substantivo traduz o que agora existe?
Tão subjetivo e tão puro na boca
que na meia luz se faz clarão
para que eu ache em ti o meu lugar.

Que adjetivo classifica o momento primeiro?
Aquele que me acordou trazendo ao pensamento
a tua presença, que tomou o novo lar sem resistência.

Que nome eu posso dar ao presente que me deste?
Nova cor na minha aquarela,
com o laranja desenho minha casa.

Fica o verbo pra depois,
se é que um dia ele se fará necessário...
Vem que a pele, a voz, o movimento
contam o que para nós sempre esteve escrito.

É como já disse um profundo conhecedor: "Deixe as palavras à poesia..."

ATÉ DE MANHÃ

Saturday, February 18, 2006

Escrevo aqui correndo
só pra deixar registrado
que só trinta minutos me separam
de passar a noite acordado.

Me espera com o riso solto
e um pouco de curiosidade
que essa noite tudo se transforma
em espírito, força e verdade.

Pra que dormir se eu posso ficar aqui pra te ver acordar?

PRECISO DE TRÊS RESPOSTAS

Thursday, February 16, 2006

Será que cabe na sua mão
um pouquinho da minha
pra não ficar sozinha
nunca, balançando no vento
solta de ocasião,
num caminho bem lento?

Será que existe um lugar
onde o tempo adormece
e tudo o que acontece
dura, transformando em sorriso
o que não sei falar,
o que vem sem aviso?

Será que eu posso beijar
toda a sua presença
que se faz sempre densa
cura, me tirando o que é dela
e no mesmo lugar
me abrir outra janela?

E UM TEXTO SE FEZ DE REPENTE

Saturday, February 11, 2006

Percebeste que esperei chegar o momento
que passei a vida suspenso ao vento
aguardando a chegada do nosso conforto?
Que piada gostosa é a vida
que nos perde em confusa corrida
para depois nos trazer a conhecido porto.

Nas letras o encontro esperado
na pele, o toque adiado
que em breve se faz permitido.
Eu pretendo fazer-te mil poesias
num sorriso trazer-te cores, magias
e o amor que um dia nos foi prometido.

Meu carinho se fez de repente
trouxe aos olhos o que eu via só na mente
fez do silêncio um amigo antigo.
Se me vê tendo os olhos brilhantes
é porque tu fizeste inconstantes
as certezas que trazia comigo.

Não te assustes se me adianto
se te beijo, recém saído do pranto
se te entrego o que não está feito.
O que é o tempo senão formalidade
que nos faz conter a naturalidade
E não diz o que eu trago no peito?

SÓ PRA CONSTAR

Parei pra pensar.
Acontecimento raro
que sempre sai caro
pois na hora em que eu paro
a vida só faz continuar.
Mas pra que polemizar?
Achei pertinente
poder te avisar
que me faço calar
que evito te olhar
pra não ser insistente.
É melhor ser ausente?
Se pareço curado
e do amor refeito
quase um novo sujeito
sem vazio no peito
só pareço errado.
Te agrado calado?
Você foi embora
mas no caminho inverso
me veio o verso
abrigo perverso
de quem perde e chora.
Tudo o que é bom demora?
Num diminutivo
carinho profundo
no sono me afundo
te faço meu mundo
meu sorriso festivo.
Eu não sou bom motivo?
E sozinho te chamo
na vontade de impor
um momento sem dor
e em meio ao torpor
corpo seco, inflamo.
Sabe o quanto te amo?
Eu não posso mentir
e por mais que eu tente
te arrancar na nascente
é só vê-la em mente
que começo a sorrir.
É melhor desistir?
E enquanto te espero
penso em seu rosto amado
milagre desenhado
por artista isolado
de qualquer entrevero.
Descobriu o que eu quero?
Beijos ternos e internos
amor sem perfeição
uma mesma direção
te fazer única estação
e pôr fim aos invernos.
Que tal sermos eternos?

POUCO IMPORTA O NOME DA CANÇÃO

Thursday, February 09, 2006

Foi chorando que Amelie começou a procurar as chaves do carro. Tinha vergonha de chorar, mas a dor parecia diminuir um pouco à medida que as lágrimas iam aumentando. Além disso, a autopiedade começou a fazer um bem inesperado. Sentiu-se bonita, mágica e um tanto etérea em seu pequeno drama pessoal. Só não podia embarcar de cabeça nessa admiração de sua própria figura: o choro tem que continuar.
Começou a revirar as gavetas que ainda guardavam as roupas de Jolie. Sabia que as chaves não poderiam estar ali, mas o desejo de se ver jogando para cima cuecas e meias que ela um dia ajudou a despir parecia incontrolável. Sentiu um prazer ainda maior ao rasgar, quase sem querer, a camisa que Jolie usava na noite da primeira reconciliação. Amelie tinha memória fotográfica.
Decidiu continuar a busca no banheiro. A escova de dente de Jolie já não estava mais ali. Aproveitou a pausa para admirar seu reflexo no espelho: como se achava bonita quando chorava! Era uma pena, se a escova ainda estivesse ali poderia se vingar esfregando as cerdas em suas axilas e virilhas como sempre fazia quando brigavam. Ele nunca percebeu nada, mas a satisfação que sentia Amelie ao ver seu namorado escovando os dentes com tanto asseio, sem saber que na verdade a lambia por tabela, bastava para recuperar qualquer insatisfação que tivesse. Lembrou-se das chaves. Abriu as gavetas embaixo da pia, lotadas de Aspirina. Jolie era um defensor ferrenho das propriedades milagrosas da Aspirina. De impotência à queda de cabelo, um comprimido era a recomendação básica. Para dor de cabeça, tomava Neosaldina.
Na sala, procurou entre os assentos do sofá. Nada das chaves, nem qualquer coisa que a lembrasse daquele filho da puta. Aquele sofá nunca recebeu os dois ao mesmo tempo. A vontade de chorar estava passando. Correu para o som e colocou a faixa número 3 de um CD de Chico Buarque. Aquela música não remetia a nada em específico, mas era uma música bonita, e ela precisava de inspiração. Pressionou o Repeat.
Deitou no tapete ao lado do sofá e se concentrou exclusivamente no choro: as chaves do carro realmente não queriam aparecer. Se aquele puto as guardasse no potinho em cima da lareira, como o combinado, ela não estaria perdendo tanto tempo agora. Entre seus soluços ritmados, pensou como gostaria de transar naquele tapete, de preferência com o irmão de Jolie. Poderia filmar tudinho e mandar pela internet para todos os amigos do casal. Faria questão de gemer bem alto, como nunca havia gemido antes, para que Jolie percebesse o quanto era ruim na cama.De repente, a lembrança. Ela havia saído com o carro pela manhã, a chave deveria estar sobre a mesinha ao lado da porta da sala. Prendeu o choro, como que para guardá-lo para mais tarde. Pegou o casaco que havia ganhado de aniversário de namoro durante a viagem à Santa Catarina e saiu sem fechar a porta. Uma vez no carro, deu partida e saiu cantando pneu em direção à casa de Jolie. No som do carro, a faixa número 3 de um CD de Chico Buarque.

MARIA

Monday, February 06, 2006

Sobre os teus pobres conselhos
e os teus olhos vermelhos
nada tenho a declarar.
Sou mulher de certa idade
e pra mim não é novidade
ver homem me abandonar.

Eu perdi minha juventude
trago fraca a saúde
perdi o pouco que me deram.
Peço que desapareças
passe o ponto, te aborreças
como tantos já fizeram.

Eu não posso ser culpada
só por ser tão desprezada;
do amor, triste farrapo.
Se o povo não sabe nada
e de mim só faz piada,
me tratando como a um trapo.

Não preciso que me lembres
dos tempos não tão recentes
onde tudo era frieza.
Ao meu lado homem parado
coração, feito exilado
longe de qualquer certeza.

Siga logo seu caminho
e abandona o teu ninho
deixa quem te protegeu.
E estando bem distante
não se esqueça, Inconstante,
que minha alma já morreu.

Fico esperando novo tento
que me chega, sempre lento
e que nunca me traz nada.
E na tua ausência ferida
eu me vejo reerguida,
de carinho calejada.

MEU BROTHER CHICO (E COMO AS HISTÓRIAS SE REPETEM)

Sunday, February 05, 2006

"Oh pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar
Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada d emim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos pucos descreve um arco
E evita atracar no cais
Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu
Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi
Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus."
(Chico Buarque)
Oh, pedaço de mim
Pele clara e alívio sem fim
Traz de volta o amor
que eu preciso sentir no peito,
onde a dor, que é som mal feito,
mora e rouba todo o calor.
Oh, pedaço de mim
Minha sorte, meu anjo querubim
Traz logo o meu sorriso
Que eu não tenho mais sentimento
e se eu morro a cada momento
é por seu rejeitar preciso.
Oh, pedaço de mim
Jóia rara, sonho perto do fim
Me devolve o medo
De ser pouco e jamais primeiro;
e de julho até fevereiro
em sua boca virar segredo.
Oh, pedaço de mim
Pesar forte, que me deixa assim
Me acende o desejo
Que a dor apagou fervendo
e a saudade levou correndo
em meio à chinfrim cortejo.
Oh, pedaço de mim
Pensamento que persiste em mim
Traz os beijos teus
Que sumiram no escuro passado
eu te peço pra ser amado
eu te peço pra ser
Por Deus...

CONSTATAÇÕES

Sunday, January 29, 2006

É saudade o que sinto, presa no peito e na respiração fervilhante.
É tristeza o que surge, na lembrança perfeita do teu corpo branco.
É verdade o que dói, me fazendo de coxo correndo constante.
É firmeza o que foge, no momento de viver o perder como um tranco.
É coragem o que falta, ao olhar o reflexo de um grave não.
É beleza o que mata, me tentando na clareza de uma meia-luz.
É imagem o que crio, para esquecer o instante de cara no chão.
É certeza o que finjo, para ter de manhã o coração feito em pus.

É O SEGUINTE...

A notícia que trago não é das melhores,
é cruel, dolorida, é uma das piores.
Se sou teu amigo, te devo atenção
e com dor no meu peito faço essa declaração.

A mulher que tu amas não é das mais puras,
não te são exclusivas aquelas carnes duras.
Se sou teu amigo, preciso dizer,
correndo o risco de apanhar e o amigo perder.

O amor que recebes não é dos mais belos,
é amor de capricho, dos mais tênues elos.
Por gostar-te demais, carrego o machado
que despedaça o seu coração enamorado.

A vida que levas não é muito amiga,
te enganou com sorrisos e frio na barriga.
Por ser novo no amor, caíste em desgraça,
e de nobre caçador virou ridícula caça.

O amigo que ouves não é dos mais leais,
apesar de nobreza e coragem reais.
Por ser teu amigo, eu digo chorando

que na minha cama tua mulher anda sonhando.

FOI-SE INHA

Thursday, January 26, 2006

Inha levou meu cordão.
Levou minha TV, os meus discos e levou meu casaco de mink.
Inha deixou um buraco
na porta que bateu e no menino a esperar.

Inha não sabe querer.
Quando sente que se põe a amar, pega a mudança e segue caminho.
Inha levou minha letra,
Calou-me para que eu não a fizesse voltar.

Minha Inha fez bem em partir;
se foge do amor, comigo não deve ficar.
O que eu tenho pra Inha sentir
eleva a moça e a deixa sonhar.

Perdi meu melhor cachecol.
Minhas fotos da praia, do sorriso apertado e do olhar de interrogação.
Adivinha: a Inha tomou!
Empilhou e roubou o quanto pudesse carregar.

Agora tenho mais espaço.
Sem as coisas que a Inha pegou, tenho vazio que não acaba mais.
Parece que fiquei menor
ou cresceu à minha volta o lugar.

Minha Inha fez bem em partir;
se foge do amor, comigo não deve ficar.
O que eu tenho pra Inha sentir
precisa agora de colo e um lugar pra morar.

SEIS DIAS

Monday, January 23, 2006

Por que não?
Quem foi que inventou,
mandou, escreveu, decretou,
que tem tempo o coração?

Intenção
é o que faz o tempo ser,
de um novo peito aparecer
o que guardo junto à mão.

Que no simples exista o que me falta e na chuva eu durma em noite alta,
na saudade de um recente dois.

ONTEM

Wednesday, January 18, 2006

Senta aqui bem perto e ocupa o lugar que eu já não guardo mais.

UM PONTO

Sunday, January 15, 2006

O escuro servindo de escudo; nem assim pôde convencê-la. Digo a você que não sei porque ainda tenta. São seis meses procurando um ponto, mas perdendo-se sempre em três formando reticências. Eu, que já o admirei por sua perseverança, confesso que o tenho achado um tanto quanto patético ultimamente. Uma mosca batendo no vidro, insistindo em passar por onde não há caminho.
O repente foi o mesmo de sempre. Perguntas já respondidas, respostas já engolidas, o carinho censurado entediando o espectador. Beijou como sempre a amou: sozinho. Durante três horas tentou fazer-se amado; tempo demais para quem não consegue existir. Ele podia ver nos olhos dela, sentir em sua respiração ofegante, ouvir na frase mal articulada o quanto ela queria estar ali, embaixo dele, e o quanto queria tê-lo bem longe. Londres. Já foi a cidade da saudade para ela, por que não ser também a cidade do alívio? Ele podia fazer isso por ela. Já havia feito tanto...
Deitada do seu lado, nunca esteve tão longe. Aquela mulher para quem ele implorava o convívio pareceu-lhe qualquer outra que não fosse ela, e a culpa com certeza era dele. O primeiro moço, aquele da surpresa e do beijo no ombro, se perdeu na frustração de um momento perdido. Foram-se os olhos bonitos, a respiração cheirosa, a sobrancelha levantando num convite silencioso. O segundo moço é bem menos persuasivo: do ombro curvado à voz embargada, o silêncio gordo que o acompanha não tem medo de durar. Ficou decepcionado por ter jogado fora tudo o que havia preparado dentro de si mesmo. Ele se comprometera a não viver no ridículo novamente, mas parece que o ridículo procura quem merece.
Novo silêncio gordo. Ele só quer ouvir umas palavras... Espera que a moça sentada de costas pra ele recite a poesia que não achou até hoje. "Deita aqui, passou... O seu amor não precisa mais..." Mais o que? Ele nem lembra mais. Está cansado, muito cansado. Não importa, porque ela não vai dizer mais nada, como sempre. Levanta-se, o dia vai amanhecer. Quer ir embora antes que chegue a luz e ele tenha que se ver patético e digno de pena. Corre até a porta, mas não chega a tempo: o caminho até o carro nunca esteve tão iluminado. Segue olhando para o chão, ouvindo as risadas dos que nunca se perderam por alguém. Que da vergonha se faça o ponto que ele tanto procura. O ponto. Um ponto. Qualquer. Sai sem dizer tchau, porque o adeus há muito já foi dito; aquela história já tinha passado do fim.

SAMBA DO AZARADO

Friday, January 13, 2006

Perceba só
que não podes fazer nada por mim:
nasci quebrado, quase preparado
pra dar errado no fim.

Um trovador
onde a palavra tá de cama:
não salva a vida, não bota comida
e não traz quem você ama.

Me escuta princesa, faz a gentileza de não olhar direto pra mim.
Olha o meu estado, tô envergonhado, é triste que tudo tenha que ser assim.
Homem que não suporta vento duro
cai do alto meio de maduro
e estraga no capim.

Seria melhor
se eu não tivesse vindo à tona;
um molambo rasgado, tecido atrasado
dispensado pela antiga dona.

Pra onde vou
pouco importa no momento.
Pego meu violão, um pandeiro, um coração
e pego o rumo do vento.

É da minha natureza, viver na tristeza e perder do que já tenho pouco.
Não me sinto roubado, mas sim destinado a viver da vontade de um Louco.
Sei, não te comovi quase nada
mas se sinta convidada

a chorar do meu sufoco.

SOBRE MÃO NA NUCA E DESENHO

Apaixonou-se, mas não se lembra como; da amizade se fez o presente. Quando começou a reparar naqueles olhos pidões, eles já faziam parte do seu dia-a-dia. E como ele gostava daqueles olhos... Deles saíam milhões de borboletas que entravam nos seus e o faziam tremer do dedão do pé até a pontinha da alma.
Ele desenhava. Com os dedos percorria a pele que nasceu papel em branco. Do ombro à barriga, imagens e capítulos quase que psicografados. Contava histórias que naquela pele poderiam ser todas reais. Ele só queria sentir...
Ela ria. A risada gostosa de quem não tem tempo a perder. Parecia ter nascido de um sorriso! Gostava de se ouvir dizendo o nome dele quase num grito, ou então baixinho, olhando pra saia desarrumada. Queria sentir os dentes dele no seu lábio inferior, mastigando sua vontade de beijar. Mas ela não queria sentir...
Eles dançavam. Juntos. Ela, nos braços dele, sabia fazer voar. O movimento combinado que denunciava o beijo que nasceria tão ritmado. A mão dele buscava a cintura. A mão dela corria para a nuca. O cabelo sempre preso para que nada ficasse entre os dois; o rosto colado fazendo suor. A mente pairava, o corpo já sabia o que fazer. Era só deixar sentir...
Nunca se deram as mãos nem dormiram no abraço, perdeu-se o presente no meio do caminho. Nela ficaram os desenhos, nele um não querer esperar.

PRA SABER QUE CHEIRO TEM

Monday, January 09, 2006

Eu não quero amor pra ver de longe.
Quero amor bem perto
pra saber que cheiro tem,
pra sentir seu bafo quente
e de tão perto ficar vesgo.

Eu não quero amor secreto.
Quero amor de portão,
quero amor combustão,
ter amor beijo-na-chuva,
ser amor frente-pro-mar.

O que sinto não é amor pequeno.
É amor de ser poeta,
é amor de dar seqüestro.
Meu amor lê pensamento,
pede, chora e traz perdão.

Sinto amor que não te espera.
Perde o traço, erra o passo,
mas tem muita ambição.
Vê nos olhos de uma moça
um lugar pra eternizar.

Amor caduco,
amor sem jeito,
amor rasgado, aberto a noites de escuro, pulso e saliva.

Te dou o amor de paz no peito, mas de calor no corpo inteiro.

PARA A DONA DO MEDO

Friday, January 06, 2006

Some,
que eu não quero ter você
turvando o pensamento.
Gritando, articulando, adiando.
Fingindo o coração,
quebrando o sentimento.

Tome,
leve o que não é mais seu
de tanto ignorar.
Mastigando, caçoando, leiloando.
Adquirindo a coloração
de um peito que não pôde voar.

Come,
digere aquilo que perdi
tentando tornar seu.
Misturando, complicando, tropeçando.
Mostrando a perversão
de quem ama o que já morreu.

Monta o cenário da ilusão
e sobre o teu amplo palco torto, cria
o refrão belo, cheio de um falso olhar.

Canta a tua ode ao medo
e no conforto de tua covardia, chora
por ter o aplauso, mesmo sem saber amar.

CARPE DIEM

Tuesday, January 03, 2006

- Vai uma vodka aí? - disse gargalhando a moça deitada ao seu lado, percebendo que Jonas estava abrindo os olhos. Aquela risada atingiu-lhe como tijoladas na cabeça, causando uma dor que se refletia por todo o resto do corpo, trazendo náuseas, vertigens e um gosto horrível na boca; um misto de cigarro (ele não fuma), cueca suada e mais algo amargo que ele não conseguia identificar.
"Sábado", gritava o calendário na cabeceira da cama, acabando por esclarecer a primeira dúvida de Jonas. "A Felicidade torna a vida um manjar de paz, alegria e saúde." Aquele calendário que ganhou da irmã seguidora da Seicho-Noi-ie sempre lhe atirava esse tipo de desaforo na cara. Conseguia, nos primeiros segundos do dia, sentenciar o rapaz a um dia de mal-humor e impaciência. Nem por isso Jonas conseguia jogar aquela porcaria no lixo; não se recusa presente dado com carinho, principalmente carinho de irmã. Bom, era uma coisa a menos para preocupá-lo: não teria que sair correndo para o trabalho. Sem mencionar o fato de que ressaca não se cura perto de patrão enchendo o saco. Nada como o final de semana para recebê-lo de braços abertos como um Engov para curar-lhe a...
- Já vai dormir de novo?! É, você parecia mesmo fora de forma, deve estar exausto! - o deboche continuava. Jonas já havia esquecido da mulher deitada do seu lado, que agora acendia o que parecia ser o seu primeiro cigarro do dia ("ah, o gosto...") e pela primeira vez lhe ocorreu verificar a nova companheira de cama. Era uma mulher maquiada vulgarmente, de um jeito que fazia Jonas lembrar de sua Tia Corina, morta de rubéola. Sua idade era impossível de definir: podia muito bem ser uma jovem muito da acabada ou uma senhora que guardava em si alguns traços de uma distante, porém bela juventude. Jonas precisava de mais alguns minutos para decidir-se. Era loira, ou melhor, estava loira. Via-se sua natureza morena ressurgindo pacientemente de seu couro cabeludo. O nariz era pequeno, delicado e contrastante em relação aos demais traços rígidos do rosto da mulher. Tinha os maiores seios que Jonas já havia visto em toda a vida e percebê-los trouxe-lhe um certo orgulho. Já tinha algo para contar no jogo de sinuca de amanhã. Resolveu voltar aos seios mais tarde e pôs-se a descer a visão até a barriga e depois ao sexo, que tinha os pêlos pubianos cortados de maneira engraçada. Jonas se demorou nos pêlos que lhe mostravam figuras diversas, como nuvens em um dia de ventania. Visualizava um coelhinho no momento em que a voz da moça o trouxe de volta.
- Rapaz, essa vida é curiosa. Um dia você acorda em casa, pensando em viver mais um dia monótono e no outro acorda na cama de um estranho que te encara os pentelhos. Bem, o que há de se fazer, não é mesmo?! - e outra tijolada acertou a cabeça de Jonas. Aquela gargalhada estava começando a irritá-lo.A moça revelou-se pequena. Não combinava com aquela gargalhada irritante e com aqueles seios enormes. Ah, que orgulho daqueles seios! Já tinha algo para contar no jogo de sinuca de amanhã. Tinha uma marca no quadril, aparentemente uma mordida, que Jonas deduziu ser sua. A moça já acendia o seu segundo cigarro quando despertou o rapaz de seus pensamentos mais uma vez.
- Olha, não fique ofendido com a minha brincadeira de agora pouco, viu? Tava só quebrando o gelo... A noite até que foi legal. Você não está fora de forma não! Tem homem, como você, que é mais direto, mas objetivo, só isso. Não perde muito tempo, não é mesmo? Rapaz, essa vida é mesmo curiosa!
A moça levantou-se e começou a se arrumar. Vestiu a saia, o sutiã para sustentar aqueles enormes seios e vestiu também uma blusa rosa; um conjunto surpreendentemente comportado e nada vulgar, apesar da maquiagem. Eram roupas aparentemente caras e fizeram Jonas sentir vergonha de seu quarto barato de pensão. Devia estar muito bêbado para levar uma mulher daquelas para aquele lugar. A moça jogou uma nota de 50 reais na cama e disse que era para pagar o abajur. Pediu desculpas por ser tão estabanada. Jonas não se lembrava de ter um abajur, mas não fez nenhuma objeção. Recebeu um beijo na testa. A moça com certeza era mãe de alguém porque só as mães sabem dar beijo na testa daquele jeito. Ouviu a mulher dizer antes de ir embora:
- Não esquenta não, filhote. A vida já tá escrita, não sobra muito que se fazer. Se você realmente ama essa moça, espera o tempo passar pra ver se lá na frente seus futuros se cruzam no mesmo parágrafo... - a moça fechou a porta do quarto e seus passos foram sumindo pelo corredor da pensão.
Jonas parou um tempo para pensar. Por que mereceu aquele conselho? Mesmo tendo aparentemente decepcionado a moça com suas habilidades na cama, parece que conseguiu conquistar seu afeto. E enquanto levantava para lavar toda aquela noite de seu corpo com uma boa chuveirada, se perguntava quem seria a mulher por quem estava tão apaixonado. Não se lembrava de estar amando alguém. Bom, quem sabe o banho lhe refrescasse a memória ou, em último caso, pediria maiores esclarecimentos à moça maquiada quando esta voltasse para pegar a calcinha esquecida em cima da TV.

AMOR ETÍLICO

Moça
traz
mais
uma que eu não
vou embora
não.
Aproveita
pra
sentar
e deixar eu
pôr
a mão.

Não
se
ofenda,
faz o favor,
perdoa o ébrio
chorão.
Vai me
dizer que
moça
bonita não
tem dor de coração?

Larga a
vida de
bandeja de
servir mesa por
mesa
que eu te
boto no lugar
da minha
dona
da princesa.

Tá sobrando
uma
vaga da que foi
da minha nobreza
mas não tem
vergonha moça
em ser segunda,
dou
certeza.

Volta
logo não
me engana
que já
sou
homem vivido.
Eu já tenho
na
minha ficha
chapéu de corno
e amor
fugido.

Só vou
amar de
pouco em pouco
pra não
ver
amor partindo
Engraçado
a
moça corre
sem me notar

tá me ouvindo?!?!

 
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