MINHA POUCA BOCA

Friday, December 28, 2007

Não me basta a boca que tenho
Que quer beijar-te enquanto te fala de amor
Que quer sorrir-te enquanto te morde o pudor
E canta silente enquanto te sopra o cenho.

É por isso que paro indeciso
As palavras tropeçam nos lábios inquietos
E meus olhos se perdem nos seus, prediletos
Se deixando levar sem prudência ou siso.

Quem me dera ter-te múltipla e minha
Quem me dera infinitos lábios dedicados
A fazerem-te incapaz de amar sozinha

Na bagunça de minhas bocas e tuas várias
Fugiríamos, originais apaixonados
A cantar meus versos teus em outras árias.

T(ÍBIA) V(ISION)

Thursday, December 27, 2007

Percebi que o legal em ser criança, daquelas bem novinhas e nanicas, é que a gente só conhece a maioria das pessoas pela região do joelho. Quando muito, até a cintura. Faz muita diferença.

EU SEI COMO FAZER

Monday, December 17, 2007

Era só trazer-te as letras
Lambidas da minha casta adoração
Dedicar-te hinos
As notas de um amor temporão
Eu só precisava calar tuas inquietações tão rasas
E dar-te os motivos de uma preocupação febril
Suada

Aflita e infantil na sua impotência

Chorar
Só seria preciso que eu chorasse
Combinando o teu nome e meus soluços
Cantar tua falta em um grito de socorro
Até que a tua mão me estenda o sono protelador

Enfim, botar-te nua em minhas linhas
E forrar teus arredores com espelhos
E ao ver-se assim, tão linda em meus anseios

Tão crua em meus devaneios
Embevecida na ternura que eu te entrego
Ao sentir-se a musa dos meus batimentos
E a causadora dos meus simples descompassos

Você me amaria
Amaria e seria dependente
Desse amor, que te atribui feições divinas

Dos meus olhos, que te acreditam tão perfeita.

MUITO PRAZER

Wednesday, December 12, 2007

Silêncio.

- São dez horas. Você já quer ir embora?
- Ainda não. E você?
- Também não. Então vai, é a sua vez.

O processo é importante. A pausa deve ser curta.

- Eu fui loiro até os quatro anos de idade.

Precisamos nos atualizar do que aconteceu na vida um do outro durante a nossa mútua ausência; o que no nosso caso significa, basicamente, toda a vida que vem antes do nosso primeiro encontro no domingo.

- Eu nasci pequenininha. Pesava menos que um lombinho.

Eu não sei como acontece, mas o que acontece eu sei. Acontece uma vontade grande de mostrar logo quem eu sou e saber logo quem ela é. Assim, a gente já pula a fase do desconforto e do constrangimento que o desconhecido tráz e vive em compasso com a nossa familiaridade precoce. E eu quero poder fazer um carinho no cabelo dela, o quanto antes.

- Meu primeiro beijo teve gosto de esfiha.

- Credo! Minha vez. Eu morava em Brasília.

Eu vou escrevendo a sua biografia na minha cabeça. Juntando os fatos de uma vida que eu já deveria conhecer. Ela tem uma cicatriz na testa...

- Tá olhando o quê?
- ... hum?
- É a sua vez! Tá fazendo o que aí me olhando?
- Ah. Tô tirando foto. Quero uma biografia ilustrada.

Ela é tímida. Isso eu já sabia.

- Bobo... São duas horas. Já quer ir embora?
- Nunca.
- Também não. Então vai, é a sua vez.

QUE SEJA

Wednesday, November 28, 2007

É que hoje eu trago a leveza dos desnecessários.
Minha presença pode tanto ir quanto vir;
Ao gosto dos desinteresses,

Ao ritmo dos refractários.

"VEM, AH..."

Wednesday, November 21, 2007

Foi como o dueto que eu escutei certa vez. Igualzinho.
Tinha tanta beleza que eu não conseguia ouvir tudo de uma vez. Só suportava pequenos pedaços.
Um violão começava manso, mansinho. Nem percebíamos a diferença do agora para a vida antes dele. Chegava desapercebido como se sempre estivesse ali. Quando já estava me rendendo ao carinho inicial, uma palavra dita com imensa dor me retirava do transe e me roubava para a vocalista.

“Vem...”

Pedia para eu não mentir. E repetia. Eu já esquecia o violão.

“Vem...”

Intrometia-se um violino arrogante, achando-se o alvo daquele apelo choroso. Bêbado e flácido, tornava a mulher uma memória feita de coisa presente. Ele ocupava o espaço, sambando ao violão que não existia mais.
Não existia, até reaparecer me abraçando de surpresa, e o boêmio violino sumia em meio à minha perplexidade. Revelava-me o samba, aquele violão com cada corda vibrando e trazendo a poesia que eu sempre sonhava compor. Assim, sem pedir nada em troca. Me entregava palavra por palavra, que de repente invadiam a boca de outro vocalista. Um homem. Cantando com o coração emprestado da mulher que já tinha se perdido na melodia. Na mesma dor, vibrava a voz para desatar o nó da garganta. Sem sucesso.

“E agora que eu cheguei, eu quero a recompensa...”

Me vi sozinho com ele. E como ele também solitário.
O que se seguiu eu não sei descrever. Todos os moradores daquela música me rodearam, gritando a beleza do modo que podiam; sons e palavras me violando sem pudor ou coerência.

Vem ah tum tá meu menino vadio ííííí eu quero te dizer que o tum tum íííí instante de te vem ver sem mentir pra você me arrepender Dorme íííí convencer menino grande das chuvas que acolhi meu amor que paguei tumtum tum íííúúú eu quero te mostrarporqueganhei nasíííí Deus e te quero cheguei tum íííááá tum prenda pá ííí teusmeus íííá vem que cheguei ííí todo seu recompensa meus teus tum ííí dorme ííí menino tu grande

Foi como a música que eu ouvi certa vez. Assim ela me passou e eu não pude compreendê-la. A música e a minha mulher. Foi igualzinho, com uma e com outra. Queria, mas não podia amá-la assim, de uma vez. Só pedacinho por pedacinho. Minha mulher.Um mosaico de cadências, uma colcha de retalhos feitos de poesias desencontradas. Mas tão linda que me doía o peito.

EFÊME(R)A

Sunday, November 18, 2007

Minha relação com a Re durou pouco. Tão pouco que nunca soube o que vinha depois daquelas duas letras. Era Re, só. Uma loira Re.

- Re, vamos sair daqui vai?
- Não.
- Por que não?
- Acabei de te conhecer.
- Que importa? A gente se deu tão bem!
- Agora não dá. As pessoas estão olhando.
- Que importa? Ninguém nos conhece...
- Você sempre assim, qualquer coisa... – disse enquanto me lambia o rosto com a mão, me deixando com cara de idiota, sua risada escondida pela música alta.

Virou as costas e sumiu na multidão, me deixando de presente uma eternidade que nunca tivemos. E que mesmo assim me foi suficiente. Afinal, sou sempre assim, qualquer coisa...

I

Monday, November 05, 2007

Tua pele é o meu fato
Meu ser imediato
Todo o meu querer
E o teu amor barato
Vence o meu recato
Faz-me esquecer
Que a tua voz macia
Não me alivia
Do triste sofrer
Mas minha vida vazia
Por ser fraca e fria
Não quer nem saber
Toma este corpo aberto
Respira mais perto
Sente o amor meu
Deixa para trás o certo
Vamos pelo incerto
De um amor camafeu
Deixa pesar-te meu seio
E amar-te o anseio
Do meu caminhar
Sem ti eu já não mais creio
Que o ar que eu permeio
Vá me sustentar
Sem ti eu já não mais creio
que o ar que eu permeio
Vá me sustentar

II

Saturday, November 03, 2007

Vem e toca a minha verve
Como se atreve
A me violar?
Eu não sou qualquer menina
É a minha sina
Nunca mais amar
Se ao menos eu pudesse
Não ser só uma prece
De teus desejos febris
Eu faria o que eu quisesse
Te daria em quermesse
Meus anseios gris

III

Friday, October 26, 2007

Vem que você já demora
E o teu rosto cora
Com o meu dizer
Minha alma vai embora
Mesmo se te adora
Em teu triste ser
Toca-me ou me dispense
O desejo vence
Seja com quem for
Toca-me ou me dispense
O desejo vence
Seja com quem for

CAÇADOR DE BORBOLETAS

Sunday, September 16, 2007

Foi assim que a encontrei pousada: olhando para o lado oposto ao meu. Desarmada, descuidada e desapercebida de minha presença. Deslumbrante.
A moça estava sentada, esperando não se sabe o que. Ao seu lado, milagroso, um lugar vago me chamava pelo nome. E, em seus gritos ansiosos, aquele espaço vazio celebrava todo o meu futuro de senhor enamorado, que beija as rugas de sua senhorinha com orgulho (“são as memórias de todas as vezes que a fiz sorrir”) e conta aos netos sobre o incrível dia em que, tomado de coragem expedicionária, sentou-se ao lado da bela moça distraída e sussurrou-lhe um versinho decorado.
Mas no meu tempo presente, ali, observando a moça que observava o lado oposto ao meu, não havia coragem expedicionária, mas uma covardia contemplativa que me congelava os ímpetos. Qual um caçador de borboletas, temia que minha barulhenta cobiça resultasse em bater de asas e frustração. Calei minhas canções de amor e concentrei-me na fictícia tarefa de congelar aquela imagem que à minha frente descansava.
Só quem não calou foi o espaço vazio ao lado da moça. Sentindo minha hesitação, gritava qualquer coisa que eu não conseguia entender. Babava de ansiedade e a afobação atrapalhava sua dicção. Em meio àquele emaranhado de letras que, apesar do alto volume, não causavam brisa que fizesse minha futura senhorinha piscar, consegui ouvir uma frase completa:
“Agora foi há um verso atrás”*

Bastou para que eu me movesse.

Calou satisfeito e exausto, o vazio. Observava triunfante a poesia que conceberia meu futuro de rugas beijadas e carícias em cabelos encanecidos. Poesia esta que eu escrevia a passos largos e decididos, dirigidos a um banco de praça ocupado pela metade. Pela minha deslumbrante metade. Despertei a minha moça de sua ausência descuidada e, presto no falar, mas vagaroso no olhar, declamei-lhe a profecia:

“Vim trazer-lhe meu amor cativo, nossa linhagem e suas marcas de expressão.”
-- --- --- --- --- ---
*essa frase não é minha. Parece ser de uma música de uma banda chamada Insônica (http://www.insonica.com.br/). Valeu pelo empréstimo!

EXPECTADOR

Thursday, September 06, 2007

- Que fazes aí parado? – ela dá uma risada, divertida. Por que me olhas?

Espero-te pacientemente. Sempre foi assim; porque me perguntas?, eu respondo, enquanto me ajeito na cadeira.

Sua cara de interrogação me inquieta. Desejando antes emudecer, pergunto: O que te incomoda, meu amor?

Ela me encara. Ela sorri.

Nada. Só não entendo porque aqui me esperas se aqui nunca estive nem estarei.


E me deixa, parte piruetando em sua sedutora insolência.

01111111

Saturday, August 25, 2007

Olha que coisa, Jandira perdeu um dente.
Está constrangidíssima a Jandira. Demais. Ela não entende que o dente é do ladinho, só vê quem fuça o sorriso dela com muita vontade. Ela não entende. Não gosta mais de sorrir, a Jandira. Ela briga com quem conta piada. Fazer cócegas então, nem que não se contenha o atrevimento. Jandira não pode mais rir, segundo sua própria imposição. Ai de quem arrancar um sorriso da minha Jandira! Corre o risco de perder os dentes também.
Não que seja de meu interesse. Se tem uma coisa de que Jandira nunca poderá me culpar é de fazê-la sorrir.

LA FORTUNA ASSISTE GLI STUPIDI

Thursday, August 16, 2007

Calma!
Calma que cala tua alma
Calma que a alma se cala
Não fala da falha que toma
Não soma teu sangue à navalha
Não ralha, não zangue, não talha
A pele que cubra o que valha

VÔO

Wednesday, August 08, 2007

Eu entrei na sala muito nervoso. Era a minha estréia. Eu nunca havia antes assistido o nascimento de um futuro brilhante.
Sentei no lugar guardado pelo meu próprio nome. Meu nome. Eu tinha um lugar naquela sala. Ao pensar nisso, sorri pela primeira vez naquela noite.
No palco, um casulo é revelado pela luz. Nele, ainda oculto, minha borboleta era adivinhada por todos os presentes. Não era nenhuma proeza de nossa parte, era naquele casulo que caia o único facho de luz em quilômetros. Ela não poderia estar em qualquer outro lugar. E só dela poderia sair tanta luz.
Com o rompimento do casulo, ouço a primeira rufada de sangue tingindo as paredes de vermelho. Não seria a única. E não era qualquer vermelho. Era o vermelho que toma conta dos olhos depois do choro e da face antes do amor. Minha borboleta também previa o futuro, olhem só! E do casulo surgiu, indecorosa, minha poetisa-borboleta e sua verborragia inebriante. Sorri pela segunda vez, enquanto a escutava; senti-me em casa novamente.
Mais sangue na parede. Aquela platéia não se dava conta, mas estava assistindo a um duelo. Minha borboleta voava como a pequena gladiadora que é, escalpelando com sua espadinha de luz todas as camadas de pele calejada que recobria nossos sentidos. Cortava e cortava até o sangue espirrar; nítida prova de ter alcançado a última camada de nossas peles. Única amostra de que nossos corações ainda batiam.
Quando todos já choravam de dor e clamavam por clemência, minha borboleta guardou sua espada. Dedicou-se então ao tratamento dos feridos. Pousava de coração em coração, pingando de suas lágrimas sinceras em nossas veias, diluindo todo esse sangue espesso e escuro que ainda nos restava. Precisávamos ser leves para compreendê-la.
Foi então que me perdi completamente. Suas lágrimas em minhas veias tiveram o poder de me retirar da realidade, me elevar aos céus da criatividade e eu também me vi borboletando. Ah, minhas asas... Queria que tivessem visto minhas asas. Mas exaustos pela batalha, incautos por natureza, a platéia não se deu conta do que acontecia.
Só acordei com o que pensei serem os aplausos. Levantei-me para me juntar ao coro dos resgatados, mas só para descobrir que não eram aplausos que eu escutava e também não era o choro que me escondia as feições. Na verdade, chovia torrencialmente.
Descobri-me ao ar livre; minha borboleta tinha aprontado mais uma das suas. O teto da sala desaparecera. Não sei se arrancado, não sei se fugido. Aposto que saiu calmamente, abrindo espaço para que as idéias de minha borboleta pudessem rodopiar. Olhei para o céu na mesma hora, era ali que estava o verdadeiro espetáculo que ela havia nos preparado.
Voltei minhas atenções para dentro da sala quando os verdadeiros aplausos quebraram o silêncio do escuro. Surpreendeu-me a inversão de papéis que se seguiu. Não era a minha borboleta que se curvava em sinal de agradecimento. Era a platéia que estava curvada em uma postura de adoração. Minha borboleta sorriu para mim, que a admirava inconteste. Eu sorri de volta, e pela última vez naquela noite, simplesmente porque ela havia me salvado.Foi com esse sorriso na cara que ela partiu. E foi o mesmo sorriso que eu a entreguei que se viu banhado novamente. Agora não era mais a chuva, eram minhas lágrimas. Não eram lágrimas de despedida. Eram lágrimas antecipadas do nosso reencontro, banhando a certeza de que eu também sabia voar.

PUTA COMO A PRÓPRIA FÉ

Wednesday, August 01, 2007

Falava-me tanto das próprias virtudes
Que nossas conversas tinham-me o peso da prece
E eu, perdido em meus desejos rudes
Escutava-a, como se despindo-a não estivesse.

Deitada, em seu descanso bovino
Limpava o sexo com lenços de nariz
Depois de usá-lo com esforço ferino.
- Dizia-se casta, minha crente meretriz.

Já escrevi-lhe um soneto de amor
Que ela até hoje recita à voz rouca
De tanto gemer com quem for.

Ajoelhada, reza nua e louca
E se não fala a deus em louvor
É pelo falo que cala sua boca.

FIM DO DIA

Friday, July 27, 2007

Banhei-me com violência jamais antes utilizada na história da higiene pessoal. A esponja era como uma faca que me escalpelava, retirando todas as camadas de minhas imperfeições. Em lascas finas. Herança maldita, de onde eu vim e do meio em que vivo. Golpeava-me. Forte. Da água, retirava o álcool que esterilizava as minhas feridas, com a esperança de que cicatrizassem tão rapidamente que não haveria como o mal entrar por onde saiu. Foi assim que reduzi-me a pó, para que cada parte de mim pudesse voar o mais longe possível da outra. Como cúmplices que se separam para não serem pegos. Como culpados que se escondem por terem vergonha. Como cacos que, mesmo remendados, já não se sentem úteis. Sequei-me então com o cuidado de uma enfermeira em tempos de guerra, enxugando calmamente cada gota de sangue de um ferimento nascente; não com o objetivo da cura, mas pelo prazer da comprovação do sofrimento. Terminada a lenta alegoria, vi-me nu, desperto, sem nenhuma proteção. Mas também sem nenhuma ameaça.

Hoje eu tirei a vida para escrever.

PRÓXIMOS PASSOS

Sunday, July 22, 2007

Um dia há de chegar-me o tempo da indiferença,
Da inconseqüência diante da fraqueza do que é coisa humana
O tempo em que as falhas que me flutuam, caricatas
Tão exatas, por serem previsíveis como o choro curto
Tão inatas, por serem a moldura de qualquer vivente
Sejam o exemplo farto de minha sapiência.

Ao chegar-me o tempo dessa inexistência
Estarei seguro na minha própria ausência
E distante, serei da vida humana cientista
Com a exatidão de um biólogo que estuda um verme
Com a frieza com que um médico disseca um tumor
Ou com a verve morta de um leitor de óbitos.

RARO SILÊNCIO

Saturday, July 14, 2007

Esqueça o marulho que juntos fizemos
Esqueça a brisa dos nossos sussurros
Apague os sons que te chegam em atraso
Urros são, falácias de um coração raso
Que não merecem mais respeito que um gemido
Agora, se te fere o silêncio sustenido
Que a nova melodia nasça de um pretexto.
Cante! Grite as notas sem sentido
Da canção que fez o nosso amor bissexto.

...

Saturday, July 07, 2007

Toda vez que eu me boto à tua volta
Declaro-te o amor em pensamento
Ensurdeço o meu coração e a alma
Num silêncio estridente que consola
Não preciso ter de ti consentimento
Para amar-te todo o amor que me assola
Em segredo, o meu dentro é revolta
Mas revelo o meu fora envolto em calma.
Não esperes de mim amor declarado
(É mudo que o casal mais feliz dança)
O que te calo, vive o infinito
E o que foi dito só durou o expirar
Mas se escutas perto um pranto sussurrado
A chegar-te como a mais vaga lembrança
É só porque distante abafo o grito
Do meu coração aflito a te pronunciar

SOBRE VIVÊNCIA

Wednesday, June 27, 2007

Fique onde está, meu amor
Não se mexa
Não respire, suspire
Não fale, sussurre
Não me olhe através das lágrimas
Para que eu não grite meu pavor
Nós precisamos permanecer ocultos
Precisamos nos perceber incautos
Para que o que restar das nossas batalhas
Possam ser exibidas como medalhas no final
Seremos dois aleijados escorados em nossas condecorações de guerra
Em uma felicidade tão pura que só poderia ter nascido da auto-piedade
Por isso, cale a boca, querido amor
Cale a boca
Não se mexa
Finja-se de morta
Porque assim
Se tivermos sorte
A vida passa sem nos notar a presença.

A DOR SE PROPAGA NO VÁCUO

Saturday, June 23, 2007

Esvaziei-me...
Tsssssss...
Tornei-me uma bolha
De vazio contido
Um corpo-embalagem
Do vácuo batido
Envoltório de vida
Sem nenhum sentido
Anulei-me...
E apesar do nada que encerro em mim
Persiste uma dor lascinante
Reinando no espaço que sou
Enganei-me...
Perdi meu recheio para me livrar do que dói
Mas tudo o que consegui foi dar mais espaço pra dor brincar.

AD INFINITUM

Tuesday, June 19, 2007

Fiz um pouco de saudade
Enquanto esperava o fim da tua presença
Da falta densa fiz vontade
De só um eco teu me amar de verdade
Você não some assim tão fácil
Quem dera a dor ser tanta que te apagasse
Mas a dor que de ti bebo é dócil
E no tempo em que te amo vive a eternidade.

IGREJA DE RITA MANCINI DE TODAS AS GRAÇAS

Wednesday, June 06, 2007

Eu tinha um irmão mais velho. Quer dizer, ainda o tenho, mas ele sumiu, não sei onde ele está agora. Saiu por aí pra ganhar o mundo, mesmo que para isso eu tivesse que perder um irmão mais velho. Quer dizer, eu não perdi, só não sei onde ele está agora.
Quando éramos crianças e o tempo ainda não tinha tomado conhecimento da gente, sentávamos na sala de casa quando eu voltava da escola de seminaristas. Sofríamos da gostosa tortura do tédio incurável. Depois de esgotadas todas as possibilidades de brincadeiras, ficávamos nos encarando num processo de brainstorming telepático, em silêncio até que alguma idéia de divertimento surgisse. Invariavelmente, não saíamos com idéia nenhuma e meu irmão solucionava o tédio dele me enchendo de porrada. Eu só reagia gritando e sentenciando a todos pulmões que Deus estava vendo tudo aquilo.
Quando ia dormir (mais cedo que meu irmão, porque alguma besta levantou um decreto-lei que permitia aos mais velhos dormir mais tarde), eu rezava para que o meu irmão sumisse da face da terra ou que eu aprendesse a revidar seus socos, o que viesse primeiro. O que não podia durar era essa injustiça que aí estava! Bom, o que aconteceu foi que, passados dois anos, o meu irmão sumiu. Sumido até hoje. E eu não preciso nem dizer que eu ainda bato como uma senhora.
Levei um susto, sabe? Não achei que esse negócio de rezar realmente funcionasse. Achei que era só uma desculpa para os padres preencherem o tempo de aula no seminário: “Bom, criançada, não tem muito mais o que dizer sobre Deus, ainda temos três horas de aula, então vamos todos rezar até as mães de vocês aparecerem para busca-los. Alguém quer almofadinha para os joelhos?”. Nunca mais rezei na vida e larguei o seminário. Que perigo! Atendendo as minhas preces assim? O Senhor não sabe, sendo o Criador que é, que somos todos imperfeitos, impulsivos, imprevisíveis e totalmente, despudoradamente e orgulhosamente irresponsáveis? Me desculpe a ousadia, mas aonde é que o Senhor estava com a cabeça quando foi atender as minhas preces? Não quero mais um deus que me atenda, quero uma relação com alguém que tenha o mínimo de bom senso pra não dar ouvidos aos meus pedidos ensandecidos.
Foi então que conheci, amei e desposei Rita Mancini, pessoa sábia que sabe não me dar o menor crédito.

PARACUNDÊ

Saturday, May 26, 2007

- Paracundê, José!
- Pára com o quê?!
- Não, mula, paracundê!
- E isso é o quê?!
- Sei lá, ainda não decidi.
- Ah, pare de graça, João.
- E por um acaso eu ri?! Hein? O senhor por um acaso me viu mostrar os dentes? Tô inventando o meu dicionário.
- Mangando de mim, tão cedo o horário...
- Mangando o que, lazarento! Olha a minha cara e vê se eu to mentindo.
- Olha que se tiver te arrebento.
- Olha, seu faminto!
- ...
- ...
- É, tá não.
- Pois então, José! Cansei de falar língua dos outros, vou é fazer a minha.
- E vai chamar o quê?
- Ora, tudo o que tem nome!
- Não, seu leso, vai chamar o que a sua língua?
- Também não sei. Calma lá, acabei de ter a idéia, já quer que eu saia com o nome e o Aurélio publicados?
- Vai chamar Aurélio o dicionário?
- Não sei ainda.
- Ah, você não tem é nada ainda! Só essa idéia fedida na cabeça.
- Pois é certo que tenho! Já tenho uma palavra!
- Tem o que, João!?
- Ué, paracundê.
- E isso é o quê!?
- ...
- E isso é o quê!?
- ...não sei ainda...
- Tá lá! Não sabe de nada. Quer mudar o falatório do povo e tudo o que tem é uma palavra que não quer dizer nada! Grande porcaria é o que essa sua língua é! Como quer mudar o jeito do povo falar com uma palavra só? Abestado.
- Ah, quer saber? Acabei de decidir que eu acabei de acabar a minha nova língua. Chama Paracundê e o único verbete do dicionário paracundense é paracundê! Paracundê pra tudo.
- E o que diabos é isso?
- Vai ser tudo e vai ser nada. Vai fazer com que as pessoas parem de sair por aí vomitando letrinha como se tivesse com o bucho cheio delas. Tudo o que sentir, tudo o que quiser comer, tudo o que amar, tudo o que for tudo e tudo o que não for, a gente chama de paracundê. Paracundê, paracundê, paracundê. Pra que mais que isso? Não é tudo meio que a mesma coisa? Ou a gente quer pra gente ou a gente quer pra longe da gente. Ou a gente gosta ou a gente não gosta. Ou dói ou é bom. Ou cheira, ou fede, ou às vezes nem um nem outro. Ou serve pra comer ou serve pra vestir. Ou lambe, ou mastiga. Ou chuta ou faz carinho. Ou bebe ou passa no corpo. Ou taca fogo ou joga fora. Ou ou ou ou. Chega. Agora é tudo paracundê e tá decidido. Quem quiser que venha na minha.
- Mas homem, use a consciência. Como é que as pessoas vão se entender usando uma língua que tem uma palavra só?
- A gente tá discutindo há meia hora em português e nada da gente se entender.
- ...
- ...
- ...
- ...
- ...
- ...
- ...paracundê, João.
- Paracundê, José!

SINIXTRO

Sunday, May 13, 2007

O que eu gosto é quando ela senta do meu lado, a menina pensante. Senta com a boca cheia de sua pronúncia chiada, de um carioquês preguiçoso. Tímida como um segredo, vem dizendo coisas que eu quase sempre não entendo, mas que devem fazer todo o sentido; soam harmônicas no meu ouvido. E é durante as nossas conversas, as poucas que tivemos e todas as muitas que ainda quero ter, que eu aproveito para tirar o pó das minhas asas e voar pelo espaço do absurdo que montamos juntos, bem lá onde o tempo não passa e as coisas todas perdem a importância. Na verdade, sou obrigado a fazê-lo. Ela sai passarando por aí e eu não gosto muito de ficar sozinho.

Só se deita de olhos fechados. Seja para dormir, seja para me amar. É tímida a minha garota pensante, tímida como um segredo...

ESTUDO SOBRE A UBIQÜIDADE DA TRISTEZA

Friday, May 11, 2007

Olha só que absurdo. Sempre ouvi dos meus professores de Física e das vítimas dos meus constantes pisões em pés alheios:
“Dois corpos não ocupam o mesmo espaço ao mesmo tempo”.
Ok, engoli sem maiores protestos. Faz sentido, tá dito; então pra mim basta. Mas descobri que aceitar como verdadeiras as variações dessa teoria é se precipitar imprudentemente.
Fugi de São Paulo por três dias. Escolhi a Barra do Sahy e o seu mar consolador como um paliativo pra minha Caduca Tristeza. Não que eu não gostasse dela, não me entendam mal! A Tristeza sempre foi uma fiel e silenciosa companheira que, no mínimo, me rendeu uns bons textos. Mas férias conjugais são necessárias até para os melhores casais. Então, parti logo pela manhã, deixando a matrona dormindo em paz e poupando-nos de qualquer despedida embaraçosa (e desnecessária. Tristeza não diz tchau).
Confesso que durante as quatro horas de viagem que separavam a minha cama da cama que eu ocuparia no Sahy, senti uma solidão inquietante. Prevendo a saudade que eu sentiria, desejei, em silêncio para que nem eu mesmo escutasse, que os próximos três dias não demorassem a passar.
Era esse pensamento que habitava a minha cabeça quando entrei no quarto da pousada e visualizei a cama que eu ocuparia. Lá encontrei, deitada, o seio descoberto, plácida e confortável a minha Tristeza, dormindo um sono imperturbável.
Fiz o que deveria ser feito. Abandonei as malas logo à porta do quarto, fechei a cortina para o sol inoportuno e deitei-me com a Tristeza. Acariciando-lhe a fronte adormecida, dedicando-lhe ao mesmo tempo asco e gratidão, aproximei-me de seu ouvido e revelei minha recente descoberta, num tom somente possível em uma declaração de amor ou em uma sentença de morte:
“.. mas um mesmo corpo ocupa dois espaços ao mesmo tempo...”

CARTA DE AMOR Nº 56

Thursday, May 03, 2007

Abra esta carta lentamente
Despindo cada dobra do papel
Mostrando a nudez de minhas palavras
Também o meu amor com a pele exposta.

Leia cada frase atentamente
Sentindo que ao ler-me, eu te beijo
Cobrindo tua pele completamente
Fazendo da minha boca única veste.

E ao terminar de ler minha alma escrita
Espero ter você chorando aflita
Desejando agora o nosso amor refeito.

Mas se não lhe basta a minha alma posta
Guarde-a com minhas cartas sem resposta

Pra que um dia eu faça delas nosso leito.

COMO ACONTECE O AMOR (OU COMO DEVERIA ACONTECER)

Saturday, April 28, 2007

Diz-se que foi do sal que nasceu o amor de Florinda e Luciano. Do sal e do azeite de dendê.
Florinda era morena de dar água na boca. Não só pela náusea e pela tontura do seu rebolado, mas também por sua aptidão para cozinhar pedaços do céu. Botava a mão na massa e a negrada na mansidão. Todos perdidos e apaixonados pelos dotes culinários e hereditários de Dona Florinda. Era apimentada por demais e passada no sal quatro vezes a morena Florinda; prejudicava o colesterol.
Já Luciano sempre foi meio insosso. Se não fosse gente, seria chuchu. A cara de aguado, o cabelo lambido de brilhantina Crispim... O homem fazia força pra não ser amado. Era do tipo que sempre levava esbarrão, tropeção, trombada. Era tão sem graça que ninguém notava! Chegou ao cúmulo de Dona Florinda ignorá-lo no assento da praça; tomou o banco por vazio e sentou-se para descansar as ancas do rebolado. Acabou que sentou no colo do chuchu.
Não sei se foi o repentino contato íntimo, o falso pudor da morena ou a desatenta carência do branquelão, mas dali saiu casório. Os dois foram do banco da praça direto pra Igreja de São Sebastião.
Ficam agora num esfrega-esfrega infindável e invejável, a busca pelo meio termo na cozinha da casa matrimonial. Florinda vendo se tempera o moço, Luciano tentando abrandar a morena.

UNE FEMME

Monday, April 23, 2007

È uma dama virgem, casta. Embala-me pura, tão pura que arde o simples toque. Sua nudez imprevista me basta, me preenche as noites de vigília insone, contando baixinho em meu ouvido suas curiosidades virginais.

É mulher de poucos passos por viver na horizontal. Seus amores se alternam livremente, numa seqüência redundante em solidão. O sobe e desce do corpo na cama acaba por ter um valor hipnótico, um pêndulo que a acalma até que o prazer a desfalece. Então, é acordar para o vazio e a ausência.

Penso ser uma senhora já curtida pelo amor, a pele ressecada por falta de toque e o seio murcho por não ter quem o sustente. Foge constrangida dos espelhos, delatores de sua derrota, com a cabeça baixa e a corcunda encasulando.

É lindo vê-la dançando ao meu redor, deitada no meu colo, cantando-me seus versos desconexos. Eu me resumo a minha condição de prisioneiro, no meu casamento para a vida inteira. Admirado, numa romântica e patética desistência. Apaixonado, entregue ao prazer da guardiã do meu cárcere.

Nasceu mulher a minha vontade de chorar.

PERSEGUINDO O PRÓPRIO RABO

Tuesday, April 17, 2007

Roda-roda
Gira-gira o zero
Percorro (rápido) em círculos a minha inconstância
Correndo na velocidade exata
De me partir em dois
Seguindo o meu Eu que foge à frente
Sem saber que esse Eu também me segue.

AAARRRGGGHHHH!

Tuesday, April 10, 2007

Pensar dóóóóóóóóóói que é o diabo!
Ou dói na cabeça porque não consigo entender
Ou dói no peito porque já entendi até demais.

OFICINA DE CRIAÇÃO

Monday, April 02, 2007

O que eu quero é tirar com a ponta dos dedos
Sentimentos que habitam meus remotos cantos
Torná-los palavras, me antecipando ao pranto
Pintá-los de verso, disfarçando meus medos.

Pinçar cada forma de dor que me assalte
Colocá-los em moldura papel-espiral
Temperá-los com angústia, azia e sal
E forjá-los pra ser o amor que me falte.

Saborear toda a dor e a ausência
Junto às letras, fingir que me calo
Lambendo a minha própria indecência.

O que eu quero é beber no gargalo
Todo o álcool da minha consciência
Pra depois vomitá-lo num ralo.

PRÓXIMO!

Wednesday, March 28, 2007

A morte é uma coisa assim metida. Ela não avisa que vem, e quando vem também não fica. Só passa. Passa e leva alguém com ela. Vem a hora que quer, sai a hora que bem entender e leva embora quem achar que deva. Faltava cuspir na nossa cara no caminho.
A Elo era bem gordinha. O inha vem muito mais do carinho que eu sinto por ela do que das suas proporções. Era quase um círculo perfeito: em pé ou de lado, tinha quase a mesma altura. Não tínhamos muito contato, a Elo era a camareira de uma peça da qual participei. Mesmo assim, seu riso fácil e seu incrível super-poder de organizar sozinha as roupas de mais de 20 atores me conquistaram sem remédio.
Todos os deboches que ela provavelmente escutou por ser gorda, todas as piadinhas, todos os amores rejeitados, todos os vestidinhos lindos que não entrariam jamais num corpão daquele e mais um milhão de motivos que, como os citados, eu nunca tive a oportunidade de ouvi-la confessando, levaram-na à mesa de cirurgia para redução de estômago. Foi daí para o céu.
É assim que a morte faz com a gente. Vem comendo pelas beiradas. Vai levando gente que a gente nem se dava ao trabalho de lembrar no dia-a-dia, depois leva alguém próximo, mais próximo, mais próximo... Até o próximo ser a gente mesmo, até estar quase batendo na porta da frente.

E o que fazer até lá? Pensar na estupidez das incertezas da vida, escrever um texto curto pra fingir de epitáfio e limpar o cuspe que me escorre a cara com um lenço de arrependimento, nostalgia e alienação.

EU FALO BOM DIA E ELA TREME TODA

Sunday, March 18, 2007

Tinha cara de azedo. Ou de cheirar pum, não sei bem. O cantinho da boca naturalmente levantado dava a ela um arzinho de asco, uma cara de quem comeu da vida e não gostou. Tinha também todos aqueles vincos pelo rosto; marcas de expressão que pareciam ter sido roubadas de outra pessoa. E mais: tô pra conhecer mulher mais grossa.
Imaginá-la pelada era impossível. Pelo menos para mim. Beijando eu também não visualizava. Disso, conclui ser ela virgem. Quarentona e virgem. Não acredita? Não tenho como provar? Taí a carinha de peido. Taí a marca de expressão tão funda que quase sangra. Taí, principalmente, a falta de gentileza.

Ela não sabia que ser gentil era a melhor forma de bolinar outra pessoa sem levar um safanão.

O TEU SONETO

Monday, March 12, 2007

Não me estranhes tão ausente e pensativo
Distante, como luz mais fugidia
Saibas que assim te enxergo minha
Tão interna, tão sozinha a me procurar.

Não me acordes de minha vida imaginada
Deixe a consciência em falta me cuidar
Que nesse torpor constante eu seja eterno
E o meu coração, o inferno que eu fiz de teu lar.

Espero, em meus sonhos paciente
O dia em que o amor latente
De tão vivo se coloque a dançar.

Quando, enfim, te direi admirado
Por te amar, mesmo acordado:
- Não preciso mais dormir pra te sonhar.

DEI A ELA PÍLULAS DE POLEGARINA

Sunday, March 11, 2007

Não sei se o que a fez pequena
Foi a distância que agora existe
Entre nossos corpos, antes sobrepostos
Talvez seja porque cresci
Longe do antigo peso a me curvar
Ou foste tu que diminuíste
Não só porque te vejo longe
Mas porque te vejo

Só sei que você, antes tão gigante
Agora como bibelô
Se resume a um destino só:
Ser diminuta e irrelevante
Restrita à sua importância
De, num canto, ir juntando pó.

ALUGA-SE

Monday, March 05, 2007

Ele tentou. Desesperadamente.

Olhou no relógio. Exatamente 3 meses, 4 dias e 8 minutos desde que ele a despejou de sua vida. Dentro de seu direito de proprietário, ele abriu a porta e pediu para que dela fizesse uso aquela moça inadimplente. O acordo era simples: ele lhe ofereceu morada, comida e alma lavada em troca de amor sincero e inspiração para algumas poesias ocasionais. Ela claramente quebrou o contrato. Não entregou o amor, muito menos as poesias.
Como o poeta que achava ser, ele tentou dedicar uns versinhos àquela despedida. Amor quando não inspira na entrada, inspira na saída, pensou ele. Tentou, desesperadamente, por 3 meses, 4 dias e 8 minutos. Mas, além da moça, de sua cabeça quase nada saiu.

Para não perder a viagem, rabiscou num guardanapo tudo o que conseguira pensar:

“Tiro o prazer que ela me deve
Da indiferença leve
Que ela me faz sentir.”

Encarou aquele pedaço de papel por alguns minutos. Quase ficou triste ao ver que, de tudo o que plantaram como um casal, só três versinhos brotaram. Quase duvidou da verdadeira intenção do Amor, com essas suas enganações e ilusões, o safado. Quase pensou em desistir de sua busca por alguém que realmente importasse. Quase.

Acabou que assoou o nariz no guardanapo e procurou algo mais interessante pra viver.

ZUPT!

Thursday, February 15, 2007

Fez que sim com sua alegria incerta. Tremia tanto por dentro que tinha medo de que suas gordurinhas tremessem do lado de fora. Mas mesmo assim o fez: estendeu a mão ao rapaz e deixou-se levar como uma menina de ninguém.
Leva e não me traz de volta! Não sou de ninguém, não tenho bagagem pra levar nem gente pra me procurar angustiada com a minha falta. Pega essa minha mão e me leva embora! Me faz sumir, faz?
Foi tudo só pensamento, mas alguma coisa por trás daqueles olhos de desassossego, aqueles mesmos olhos que a despiam apesar das gordurinhas, alguma coisa atrás daqueles olhos servia pra ler pensamentos. O garoto logo agarrou a mão trêmula estendida e se pôs a correr. Correr. Correr. Pra longe.

Se ela fosse mais magrinha, teriam levantado vôo.

FOSSE ELA O QUE NÃO É

Friday, January 19, 2007

Fosse ela um poema, botava-lhe métrica. Deixá-la os versos livres, jamais! Enclausurava meu tesouro em um cárcere de 4 versos x 3 sílabas poéticas, sem mais nem menos. A teria sucinta, fosse ela um poema.

Ah! Mas se ela fosse um poema... Eu a despiria letra a letra, lentamente. A teria assim, despetalada, exposta toda a nudez de seu sentido. Isso, se ela fosse um poema...

Fosse ela meu grande amor e poesia, eu jamais publicaria. Nem em papel concretizava, nem bem baixinho eu declamava. A teria efêmera, por ser mero pensamento, e a teria eterna, por pairar-me enquanto vivo. Mas somente se ela fosse como amor e poesia.

MEU LEITO LISO

Wednesday, January 03, 2007

Pelo passo que me partes, pés no chão
Eu posso até pensar que podes me perder de vista assim
Partes tão cedo, no começo do enredo
Antes que eu tivesse medo do sossego acomodar
Acorda vida, que me dás, vida escorrida
Me afina, vem aflita em meus sonhos me ninar
Deita por cima, tira do teu ventre a rima
Cega a vista num sorriso, sem saber se quer o fim
Começa leve, como a neve da tua boca
Depois mexe feito louca que do atrito tira o ar
Sumiu sem tempo, tempero do esquecimento
Achou sem merecimento o querer que sai de mim
Foi tanta pressa que dessa vida escorrida
Deixou pra trás, colorida, tua essência a me ninar
Agora deito em meu leito sem atrito
Pois tua ausência, mesmo louca, não precisa respirar

 
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