ADEUSCADABRA

Tuesday, August 03, 2010

A desgraça da Marcinha foi amar um mágico. Não precisava, mas amou.
Conheceu o rapaz na festa de fim de ano da empresa. Marcinha era uma secretária bilíngüe de gerência, aspirante a secretária bilíngüe de diretoria ou, por que não, secretária bilíngüe de presidência. Seu trabalho não era muito emocionante: limitava-se a bons dias e good mornings, confecção de cartas e requests, às vezes com toques de phone calls de abroad. Mas era só. E era pouco.
Marcinha prometia todos os anos, entre a festa da firma e o réveillon, que, ao fim de suas férias coletivas, ela pediria demissão. Ou melhor, causaria a sua demissão. Com o dinheiro do fundo de garantia e das férias proporcionais, ela partiria em férias sensacionais em busca de um novo objetivo. Descobriria sua nova razão de viver e teria a vontade e o capital necessários para começar a nova empreitada. Mas sempre acabava ficando por lá mesmo, atrás de sua desk e waiting pelo telefone to ring. Ficava.
Eis que na festa da firma deste ano último, quando começava a elaborar o seu plano de metas pessoais para o ano seguinte, um mágico desevaporou-se bem na sua frente.
POF! Fumaça. Mágico. Aplausos. Pareciam , ao ouvido de Marcinha, a marcha nupcial tocada por uma noite de chuva. Era amor à primeira materialização. Marcinha se apaixonou perdidamente pela atração da festa.
Desnecessário e um tanto constrangedor dizer que o que aconteceu dali para frente foi... mágico. O show começou. Ao fim do primeiro ato, Marcinha e o mágico já trocavam telefones; ao fim do segundo ato, tomaram seu primeiro drinque; ao fim do terceiro ato, Marcinha já havia feito amor com o rapaz (ela não se priva por causa de conservadorismos); ao fim do quarto ato ele a pediu em casamento e, logo depois do Grand Finale, Marcinha foi demitida, pegou o que lhe era de direito trabalhista e os dois partiram num tapete voador em lua-de-mel.
Marcinha assumiu a vida de primeira dama da magia; concomitante com a carreira promissora de assistente de palco. Deu todo o seu dinheiro ao mágico e eles começaram uma multinacional de efeitos sobrenaturais. O marasmo, reinante em tempos que já pareciam distantes demais para serem lembrados, deu lugar a um sem fim de atividades profissionais emocionantes. A ajudante de palco bilíngüe foi splited pela metade, floated sem o help de fios aparentes, cuidou de coelhos and pombos, foi colocada inside uma box e teve arms e pernas embaralhadas diante dos eyes da perplexa audience. E como a vida não é feita só de trabalho, ao fim o expediente, Marcinha e seu mago iam do palco direto pro quarto. E Marcinha era splited pela metade, floated sem o help de fios aparentes, misturada a coelhos and pombos, amada inside uma box e tinha seus arms e pernas embaralhadas e beijadas diante de seu mágico e nobody else. Marcinha não tinha do que reclamar.
E nunca teve. Não deu tempo. Numa dessas noites de performance no quarto, o mágico evaporou-se no meio de um truque.
POF! Fumaça. Vazio. Lágrimas. Marcinha se viu sozinha, cartola na cabeça, o corpo suspenso e nu, a boca ainda aberta do beijo desaparecido. Ficou assim por exatos seis segundos, até se esvair o ar mágico que sustentava Marcinha acima da cama. Ela caiu sobre o colchão, quicando duas vezes.
Acontece. Tem coisa sobre a qual ninguém avisa a gente. Não por mal, mas é que algumas coisas parecem ser inéditas no mundo e cabe a nós estrear esse sofrimento. Marcinha foi a primeira mulher a sofrer de amor de mágico. Foi a primeira a aprender:


Amor de mágico é assim:
Agora você vê;
Now you don`t.

NOSTRAORGIA

Friday, July 16, 2010

Não sei se pela água feita do suor
que escorre, exorcizando as impurezas.
Ou se pelos gritos e calúnias repetidas
que me enchem a boca e esvaziam
o peito. Ou pelos flagelos
singelos, me punindo
a pele ouriçada. Ou se é o calor
que me rodeia, que me purga
dos pecados que eu deixei
de cometer.

Mas nada
me lava mais a alma
que a
Santidade
de um
amor imundo.

DO ADEUS E DA ELIPSE, COM SEUS RAIOS INCONSTANTES

Sunday, July 04, 2010

Adeus se diz aos poucos. E a poucos.

E é chegada então a sua vez. Ela, sempre tão presente. Insistente. Na minha cabeça as coisas giravam ao redor dela. Minha vida em órbita-elipse ao redor da minha Menina de Olhos Azuis. Às vezes perto, às vezes longe; mas constantemente ao redor.
Menina sim, com M maiúsculo, qual nome de personagem. Pois é menina que ela começa na minha memória, e é menina que ela é, hoje e amanhã, do meu lado, sempre que nos encontramos.
Ah, menina não, Menina. Grande. Não sei como é quando está longe; ouvi dizer até que é completamente outra, uma mulher que faz coisas de mulher e que, para os outros, mulher é. Mas isso, pra mim, não importa. Na minha frente, do meu lado, embaixo de mim, ela é uma Menina.
Como menino sou, quando estou com ela. Agora sim, menino, com m minúsculo. Tão pequeno, tão infante... Tão em branco, buscando qualquer coisa que me defina. Minha Menina viu o quanto eu tentei. O quanto eu corri de um lado para o outro, meus ímpetos cheios de uma certeza que não durava minutos. Ela, sentada, paciente, maiúscula, me guardava de longe, ao centro, cuidando para que eu não me perdesse. Eu sempre testando a força do campo gravitacional que me prendia, ia distante buscar os meus porquês, só para, inevitavelmente, voltar correndo para casa. Dela. Para deitar no colo dela.
E lá vou eu mais uma vez, testar minhas distâncias. Esticar ao máximo o elástico que junta o menino e a sua Menina, torcendo para que ele não se arrebente. Nem o menino, nem o elástico.
É um adeus sim, por falta de um meio termo. Não posso dizer até logo, porque ele não combina com o medo que eu estou sentindo. É muito medo, minha Menina. Mas como qualquer menino, eu quero ser um herói; e os heróis devem agir apesar do medo, dizem. E é apesar do medo que eu te digo adeus, Menina.

Estou indo buscar o meu M de Menino. Grande.

MIRANTE

Monday, June 28, 2010

Disseram que de perto é feio
Aquilo que é bonito se deixado mais ali.
Por isso, estico meu passeio;
Vou pro infinito, o mais longe que eu já vi.
Quem sabe assim de longe eu vejo
Tudo o que avizinha o meu calado coração,
De um fraco e surdo gargarejo,
Transformar-se em fado, o fardo em uma canção?

0=ZERO

Monday, May 24, 2010

Devagar, despreocupada
Destelhada, sem guarida
Solidão buscou morada
Na minha alma dorida.
(Na minha calma dorida...)
(Na minha calma dormida...)

Chegou sorrateiramente
Qual semente que se solta
E longe do pé, descrente
De repente, à vida volta.
(De repente, a vida volta...)
(De repente, há vida em volta...)

Solidão fez um buraco
No opaco do meu peito
Parecia um choro fraco
Mas um rio tomou meu leito.
(Mas um frio tomou meu leito...)
(Mas um frio tomou-me, lento...)

Solidão fez seu espaço
Como eu faço a poesia
Grão em grão, de passo em passo
Fez maço do que doía.
(Fez traço do que doía...)
(Pôs traço no que doía...)

Tão guardada está, enfim
Tão sem fim é a escuridão
Que quem quer que me ame assim
De mim só tem solidão.
(De mim não tem coração...)
(Ai de mim! sem coração...)

MARIA ENCANTO

Thursday, April 01, 2010

Saíram; o tempo ainda dormia. Chegaram sem mais nenhum voltar. Partiram deixando atrás um rio de mágoas e os remos deixaram pra boiar. Fugiram foi da bela Maria, mulher que nasceu de um luar. Temiam que uma vez mais seus olhos de águas causassem vontade de matar.

Faz tempo, nasceu Maria Encanto. Nasceu que doeu quem fosse olhar. Tão bela a bebê Maria, chorava, chorava, que Homem nenhum pode agüentar. Tão nova, colocava quebranto em quem teimava a se aproximar. A sua beleza ardia; no mundo entrava e nele Maria tinha altar.

Já no primeiro suspiro infante, Maria tinha mil pra casar. Ao fim do primeiro mês a fila sumia naquela curva que o mundo dá. A Maria quando debutante, enfim poderia alguém amar. Não houve quem não quisesse tamanha alegria naquele lugar de deus dará.

Não houve mais Homem de trabalho, nem jovem garoto pra estudar. Perderam-se avôs, irmãos, maridos e amantes; da porta de Encanto fez-se um lar. Criou-se então um mundo falho, fadado a sumir, se acabar. Os Homens pararam as mãos, ficaram distantes, da terra, da cama e do amar.

Ao ver no bebê tanta ameaça, as Noivas puseram-se a tramar. Que triste o futuro a vir sem ter casamento, e tanta Mulher querendo um par. Fizeram à noite a sua trapaça, deixando a fila a dormitar. Maria ainda a dormir, jogaram ao Vento, e foi-se o bebê, sumiu no ar.

Pois quando surgiu o Sol chorando – “Que falta a bela Maria faz!” – O que se seguiu foi dor; partiram os Homens, caçando suas Mulheres más. A guerra amanheceu queimando, a morte seguiu logo atrás. Os Homens plantavam horror por onde passavam – “Eu quero Maria, eu quero a paz!”

Depois que chegou a noite lenta, que venta sem nunca refrescar, a brisa trouxe Encanto e a pousou no sangue de quem não conseguiu escapar. Aos poucos se cessou a tormenta, os Homens pararam de lutar. Olharam por toda a volta, só viram o mangue que sobrou depois do guerrear.

Maria se ausentou um dia; já fez um milagre se operar. Voltou do breve planar já moça crescida, em plena idade de amar. A moça parada, ali sorria. Não tinha ninguém pra lhe ofuscar. A Noiva que não morreu, saiu na corrida; Encanto é sozinha pra reinar.

Sentindo o remorso dolorido, daquele que faz peito chorar, os Homens se ajoelharam, pediram clemência – “Imploro, não me faça te olhar”. Maria não viu nenhum sentido e pronta se pôs a desfilar. Despiu todo o corpo à vista, levou à falência o ímpeto de quem quis olhar.

Os poucos que resistiram castos, correram dali sem nem pensar. Temiam o fim de quem provasse a beleza e dela não pudesse largar. Os outros que se entregaram vastos, sentiram o corpo congelar. Perderam-se entre o amor e a pura tristeza e ali viram tudo terminar.

A fuga se deu antigamente, Maria já não mora mais lá. Mas quem se correu dali não parou ainda com medo do que Encanto fará. Preferem correr eternamente pra longe de onde Maria está. Quem sabe assim o amor se cansa e finda...? Quem sabe o que me sobrará?

ENFIM

Friday, March 26, 2010

Vem nova e me mostra o oposto
Renova o que eu tenho por gosto
Ouvi bem claro, findou a sina
Do amor raro que me foi imposto.
Promete o beijo sempre perto
Promete um coração aberto
És tão bem vinda, minha menina
Chega e confunde o que eu já tive certo.

UM DOIS

Saturday, March 13, 2010

Já foi
O tempo em que o meu coração fugaz
Sentava quieto e se deixava em paz
Longe da confusão do teu pendor

Sei lá
Só estou dizendo o que eu ouvi falar
Meu coração nunca me deixa entrar
Na intimidade: “É particular...”

Depois
Que tu partiste sem deixar um pó
Meu coração sentiu-se muito só
Viu muito espaço e, junto, muita dor

Caiu
Em choro aberto de espantar freguês
Tanto que agora ainda é a tua vez
Não se viu mais ninguém no seu lugar

Não sei
O que aconteceu depois não vi
Ele sumiu, não vi mais por aqui
Foi procurar abrigo, algum penhor

Eu sei
Deve ser duro pra você, meu bem
Ter no passado a morte de alguém
Ser responsável por tanto pesar

Mas vai
Não se preocupe que ele aqui não vem
Teu prejuízo não bate um vintém
E tua culpa sumiu no vapor

Que mais?
Ouvi dizer que ele tentou morrer
Queria por um fim no seu sofrer
Envenenou área ventricular

Falhou
Sobreviveu à sua insensatez
Como seqüela tudo se desfez
Ficou vazio meu coração de amor

Um Dois
Ele fugiu, tive que dividir
A minha parte é o que faz sorrir
Ficou com ele o que só faz chorar

Um Dois
Eu te agradeço por me aliviar
Não nego, a dor pra mim foi salutar
Meu peito é nulo, nem frio nem calor

Enfim
Só estou dizendo o que eu ouvi falar
Meu coração nunca me deixa entrar
Na intimidade: “É particular...”

DELAÇÃO PREMIADA

Saturday, February 27, 2010

Apresento-me a ti (e beiro o enfarte)
Porque sei que é dura a punição
A quem quer que se atreva a enganar-te
Ou fugir de tua imposição
Fiz promessa: por bom tempo amar-te
Por bom tempo (para sempre, não)
Da minha vida, (pois tu não fazes parte)
Tu mandaste, aceitei abrir mão
Fui fiel; declarei meu estandarte
Ter-te amor, só a ti (preso ao chão)
E por fim, proibiste a minha arte
“Nunca mais versos no coração!”

Fui honesto até este momento
Em que faço verso do tormento
De te amar sem ser nunca o que sou.

Denuncio a infração (que ousadia!)
Acabei de fazer poesia
De amor; nosso amor que acabou.

EU

Thursday, February 18, 2010

Sinto que caí em desuso.

NÃO USA CHINELO QUE CAI DO PÉ

Thursday, January 14, 2010




O certo seria um mal deitar e já levantar-se. Flutuando a 30 cm do chão do quarto, abrir a porta mal trancada da casa e ganhar o lado de fora. Os olhos podem estar abertos ou fechados, é facultativo. Quem olha, nesses casos, é o umbigo. Verdade; é o umbigo o mais próximo que há daquele aperto no estômago quando sentimos que o que há já não basta. Ganha-se o mundo e mira-se o umbigo no além, abrindo os braços à meia altura pra sentir o vento que vai ficando pra trás.
O certo seria ter mapas decorados. Colocar na mente o caminho a seguir e confiar que não há curva que confunda o passeio. Na dúvida, o certo é uma linha só reta que garanta uma ida com volta e a total desnecessidade dos mapas. Pijama mal tem bolso.
Bem certo é ter memória fotográfica e habilidade pra ver tudo o que vai passar muito rápido pelas laterais. Alterne o lado direito com o lado esquerdo, virando o pescoço repetidamente. Não tem nada que não mereça ser visto, nas direitas e esquerdas. Tivesse deus dado aos homens os olhos no lugar das orelhas e as orelhas onde julgasse ser mais prático, eu não precisava dar essa recomendação. Em todo caso, as dele não devem funcionar, pois eu já pedi e as minhas não mudaram de lugar. O certo é fazer uso do pescoço.
E durante a viagem, bem certo é manter os pés fora do chão. Não deixe pegadas; caso descubra algo brilhante que não queira dividir com ninguém, as pegadas seriam imprudentes.
Agora, se quer ter o certo, ao retornar não perca a viagem da mente. Não subestime a utilidade de qualquer coisa que trouxer do caminho. Guarde num canto e deixe brotar. Mas não fique encarando, porque quando ficamos assistindo, nem o leite nem as ideias fervem.

Deixe um copo de água do lado da cama. Quem é sonhador sempre acorda cansado.

BEM ME LEMBRO...

Friday, January 01, 2010

Nunca entendia a Dona Clara. Mas eu era só uma criança.
Viúva há tempos, já tinha mais tempo de saudade do que de casada. Não sei como era antes, mas, desde quando possa me lembrar, ela sempre fez questão de estar sozinha. Não se via Dona Clara em rodas de conversa no portão de casa, nas quermesses que a diocese organizava todos os junhos, em batizados, enterros, confusões ou simplesmente compondo a multidão. Ela não saia muito na rua e o pessoal da nossa cidade quase se esquecia de pensar nela.
Quase, porque era nos bailes do fim de ano que o povo da cidade se lembrava de Dona Clara. Ela aparecia bem decorada, com suas maquiagens e as pérolas nas orelhas e em volta do pescoço. O cabelo era preso num arranjo de fios brancos e tiara. Impecável, a Dona Clara no salão. E todos os olhos se voltavam para ela; os sorrisos se abriam, mais como reação de uma lembrança que julgávamos esquecida e que, repentina, voltava à mente. Sim! Dona Clara, minha gente! Lá vai Dona Clara; quanto tempo eu não a via!
E sozinha Dona Clara se sentava bem à beira da pista de dança, a observar os casais dançando os boleros e baladas que a banda regional tocava. Sozinha. Ninguém nunca lhe dirigia a palavra. E eu ficava sentado a observar a Dona Clara, até que ela fosse embora com um ar de missão cumprida.
Foi assim todos os anos, menos aquele em que um garoto resolveu tirá-la pra dançar. Eu estava sentado, ocupado na minha tarefa de guardar Dona Clara do outro lado do salão, quando vi um garoto engravatado se aproximar dela. Não sei se por pena, por curiosidade ou simplesmente para fazer graça, mas o garoto resolveu romper com a tradição e estendeu a mão à Dona Clara.
Me lembro que banda parou de tocar. As luzes do salão se apagaram e apenas um foco se acendia para destacar a senhora e o garoto.Um rufar de tambores se iniciou, enquanto o baile todo voltou sua atenção para Dona Clara, esperando sua sentença. Uma mão estendeu um microfone na altura da boca da senhora e, quando os tambores se silenciaram, Dona Clara declarou:

“Vai lá, meu bem, que eu sou de olhar, não de participar.”

O menino foi embora constrangido, a banda voltou a tocar e o baile tratou de esquecer-se do ocorrido. Dona Clara foi embora e nunca mais se soube dela.
Eu não entendia mesmo a Dona Clara quando eu era criança. Só fui mesmo entender quando descobri que eu também sou de olhar, não de participar. Mas então já não tínhamos bailes, nem boleros e, muito menos, Dona Clara.

 
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