COMO ACONTECE O AMOR (OU COMO DEVERIA ACONTECER)

Saturday, April 28, 2007

Diz-se que foi do sal que nasceu o amor de Florinda e Luciano. Do sal e do azeite de dendê.
Florinda era morena de dar água na boca. Não só pela náusea e pela tontura do seu rebolado, mas também por sua aptidão para cozinhar pedaços do céu. Botava a mão na massa e a negrada na mansidão. Todos perdidos e apaixonados pelos dotes culinários e hereditários de Dona Florinda. Era apimentada por demais e passada no sal quatro vezes a morena Florinda; prejudicava o colesterol.
Já Luciano sempre foi meio insosso. Se não fosse gente, seria chuchu. A cara de aguado, o cabelo lambido de brilhantina Crispim... O homem fazia força pra não ser amado. Era do tipo que sempre levava esbarrão, tropeção, trombada. Era tão sem graça que ninguém notava! Chegou ao cúmulo de Dona Florinda ignorá-lo no assento da praça; tomou o banco por vazio e sentou-se para descansar as ancas do rebolado. Acabou que sentou no colo do chuchu.
Não sei se foi o repentino contato íntimo, o falso pudor da morena ou a desatenta carência do branquelão, mas dali saiu casório. Os dois foram do banco da praça direto pra Igreja de São Sebastião.
Ficam agora num esfrega-esfrega infindável e invejável, a busca pelo meio termo na cozinha da casa matrimonial. Florinda vendo se tempera o moço, Luciano tentando abrandar a morena.

UNE FEMME

Monday, April 23, 2007

È uma dama virgem, casta. Embala-me pura, tão pura que arde o simples toque. Sua nudez imprevista me basta, me preenche as noites de vigília insone, contando baixinho em meu ouvido suas curiosidades virginais.

É mulher de poucos passos por viver na horizontal. Seus amores se alternam livremente, numa seqüência redundante em solidão. O sobe e desce do corpo na cama acaba por ter um valor hipnótico, um pêndulo que a acalma até que o prazer a desfalece. Então, é acordar para o vazio e a ausência.

Penso ser uma senhora já curtida pelo amor, a pele ressecada por falta de toque e o seio murcho por não ter quem o sustente. Foge constrangida dos espelhos, delatores de sua derrota, com a cabeça baixa e a corcunda encasulando.

É lindo vê-la dançando ao meu redor, deitada no meu colo, cantando-me seus versos desconexos. Eu me resumo a minha condição de prisioneiro, no meu casamento para a vida inteira. Admirado, numa romântica e patética desistência. Apaixonado, entregue ao prazer da guardiã do meu cárcere.

Nasceu mulher a minha vontade de chorar.

PERSEGUINDO O PRÓPRIO RABO

Tuesday, April 17, 2007

Roda-roda
Gira-gira o zero
Percorro (rápido) em círculos a minha inconstância
Correndo na velocidade exata
De me partir em dois
Seguindo o meu Eu que foge à frente
Sem saber que esse Eu também me segue.

AAARRRGGGHHHH!

Tuesday, April 10, 2007

Pensar dóóóóóóóóóói que é o diabo!
Ou dói na cabeça porque não consigo entender
Ou dói no peito porque já entendi até demais.

OFICINA DE CRIAÇÃO

Monday, April 02, 2007

O que eu quero é tirar com a ponta dos dedos
Sentimentos que habitam meus remotos cantos
Torná-los palavras, me antecipando ao pranto
Pintá-los de verso, disfarçando meus medos.

Pinçar cada forma de dor que me assalte
Colocá-los em moldura papel-espiral
Temperá-los com angústia, azia e sal
E forjá-los pra ser o amor que me falte.

Saborear toda a dor e a ausência
Junto às letras, fingir que me calo
Lambendo a minha própria indecência.

O que eu quero é beber no gargalo
Todo o álcool da minha consciência
Pra depois vomitá-lo num ralo.

 
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