- Puta que o pariu!
Nunca uma frase foi tão saboreada em toda a história das verborragias. O Fonseca invadiu a sala soltando...
- Aquela vaca filha da puta!
... todos os pensamentos mais impróprios para o horário comercial em cima da minha mesa no escritório. Eu tentava me concentrar na planilha poltergheist que habitava o meu computador e os meus piores pesadelos nos últimos meses.
- Precisava ser burra assim? Aquela bitch. Fucking bitch.
Ele adorava xingar em inglês também. Aposto que enquanto eu assistia Vila Sésamo quando criança, ele chegava da escolinha primária e almoçava revendo “Fuck me Forever – Parte III”.
- Calma Fonseca, o que foi que aconteceu? – eu disse a frase inteira num mesmo tom, quase como um mantra.
- Sabe a Jandira?
- A Jandira?
- É, aquela putinha da cobrança!
- Ah, a Jandira.
- É, a putinha. Bitch. Fucking bitch!
- Sei.
- Pois então, aquela vagaba teve a pachorra de...
Pronto. Pra que ouvir mais, né? Eu estava satisfeito já com o meu vocabulário de palavras sujas. Deixei o Fonseca falando e me transportei pro colo da Jandira. Ah... a Jandira da cobrança... Eu só não largava o emprego naquela firma porque era lá que trabalhava a Jandira da cobrança. Ganhava mal, era mal tratado, odiava o serviço, mas via a Jandira sempre que chegava de manhã e passava pelo corredor. Ela sempre lá, na mesinha dela, afogada em notas e mais notas fiscais.
Jandira não me conhecia além das solicitações de reembolsos enviadas todas as quartas-feiras. Para ela, eu era a assinatura acima do “Nome do Colaborador”, mas pra mim, Jandira era projeto de vida. E daí se eu queria ser escritor? Não importa se eu queria largar aquela planilha pela metade e passar o dia escrevendo e poetando, poetando e escrevendo. Só assumiria a vida de escritor se fosse vida de escritor muito bem pago, que ganhasse milhões e precisasse contratar uma pessoa para cuidar das cobranças. E a vida seria Jandira.
-... na cara dela!
Silêncio...
Acho que o Fonseca secou sua fonte de baboseiras. Melhor. Assim que der, eu falo pra ele:
- “Fica tranqüilo, Fonseca. Logo a vida acaba”.
E eu esperava esse dia pacientemente. O dia em que o mundo ia acabar. Era o anúncio ser feito na televisão pra eu correr em direção à Jandira, me apresentar...
- Oi, sou o João do RH. Vim deitar no seu colo.
E me jogar num mergulho só em direção ao colo dela. Aí o mundo podia mesmo acabar. Não ia mais ter planilha, verborragias, pedidos de reembolso. Só Jandira. Que mais o mundo poderia fazer por mim? Que acabasse de uma vez...