-Perdeu alguma coisa, filho?
-Não mãe, porque?
-Ué, tá aí encarando o chão...
-Tô não mãe, impressão...
-Claro que tá, não sou cega! Tá aí, curvado pra frente.
-Tô muito torto?
-Ô se tá! Mais um pouco olha os fundilhos por baixo.
-Pô mãe, não fala assim!
-Mas é verdade! Mais parece um japonesinho!
-Não é nada mãe, esquenta não.
-Como não é nada? Nunca te vi assim!
-Me deixa quieto mãe! Me deixa aqui com a minha corcunda.
-Vai me dizer o que está acontecendo ou não vai?
-Não dá, mãe...
-Mas que coisa mais deselegante andar curvado assim!
-Eu sei... Pronto, melhor assim?
-Agora tá inclinado pra trás! Tá de brincadeira comigo, moleque?
-Não mãe, longe de mim... Me ajuda a voltar pra frente?
-Ai Jesus... Assim parece o Keanu Reeves naquele filme doido... Como você faz isso?
-Sei lá mãe, me ajuda!
-Pronto.
-Valeu mãe. Bom, vou pro meu quarto.
-Que quarto que nada! Vou ligar agora pro seu pai e ver se ele te conserta!
-Papai é mecânico, mãe, não médico.
-Mas é seu pai! Ele tem que fazer alguma coisa a respeito. Como é que você vai andar por aí curvado desse jeito? E se for grave? E se for pra sempre? E se piorar com o tempo?
-Não mãe, dizem que melhora com o tempo.
-Só se for pra dar a volta inteira e você voltar pro lugar.
-Tá fazendo piada mãe?
-Tô não filho, impressão...
-Bom, tchau.
-Pára de brincadeira vai, já perdeu a graça! Volta esse tronco pro lugar!
-Não dá.
-Porque não?
-Bem que eu queria mãe, mas acontece que esse meu coração pesa por demais...