CONSTATAÇÕES

Sunday, January 29, 2006

É saudade o que sinto, presa no peito e na respiração fervilhante.
É tristeza o que surge, na lembrança perfeita do teu corpo branco.
É verdade o que dói, me fazendo de coxo correndo constante.
É firmeza o que foge, no momento de viver o perder como um tranco.
É coragem o que falta, ao olhar o reflexo de um grave não.
É beleza o que mata, me tentando na clareza de uma meia-luz.
É imagem o que crio, para esquecer o instante de cara no chão.
É certeza o que finjo, para ter de manhã o coração feito em pus.

É O SEGUINTE...

A notícia que trago não é das melhores,
é cruel, dolorida, é uma das piores.
Se sou teu amigo, te devo atenção
e com dor no meu peito faço essa declaração.

A mulher que tu amas não é das mais puras,
não te são exclusivas aquelas carnes duras.
Se sou teu amigo, preciso dizer,
correndo o risco de apanhar e o amigo perder.

O amor que recebes não é dos mais belos,
é amor de capricho, dos mais tênues elos.
Por gostar-te demais, carrego o machado
que despedaça o seu coração enamorado.

A vida que levas não é muito amiga,
te enganou com sorrisos e frio na barriga.
Por ser novo no amor, caíste em desgraça,
e de nobre caçador virou ridícula caça.

O amigo que ouves não é dos mais leais,
apesar de nobreza e coragem reais.
Por ser teu amigo, eu digo chorando

que na minha cama tua mulher anda sonhando.

FOI-SE INHA

Thursday, January 26, 2006

Inha levou meu cordão.
Levou minha TV, os meus discos e levou meu casaco de mink.
Inha deixou um buraco
na porta que bateu e no menino a esperar.

Inha não sabe querer.
Quando sente que se põe a amar, pega a mudança e segue caminho.
Inha levou minha letra,
Calou-me para que eu não a fizesse voltar.

Minha Inha fez bem em partir;
se foge do amor, comigo não deve ficar.
O que eu tenho pra Inha sentir
eleva a moça e a deixa sonhar.

Perdi meu melhor cachecol.
Minhas fotos da praia, do sorriso apertado e do olhar de interrogação.
Adivinha: a Inha tomou!
Empilhou e roubou o quanto pudesse carregar.

Agora tenho mais espaço.
Sem as coisas que a Inha pegou, tenho vazio que não acaba mais.
Parece que fiquei menor
ou cresceu à minha volta o lugar.

Minha Inha fez bem em partir;
se foge do amor, comigo não deve ficar.
O que eu tenho pra Inha sentir
precisa agora de colo e um lugar pra morar.

SEIS DIAS

Monday, January 23, 2006

Por que não?
Quem foi que inventou,
mandou, escreveu, decretou,
que tem tempo o coração?

Intenção
é o que faz o tempo ser,
de um novo peito aparecer
o que guardo junto à mão.

Que no simples exista o que me falta e na chuva eu durma em noite alta,
na saudade de um recente dois.

ONTEM

Wednesday, January 18, 2006

Senta aqui bem perto e ocupa o lugar que eu já não guardo mais.

UM PONTO

Sunday, January 15, 2006

O escuro servindo de escudo; nem assim pôde convencê-la. Digo a você que não sei porque ainda tenta. São seis meses procurando um ponto, mas perdendo-se sempre em três formando reticências. Eu, que já o admirei por sua perseverança, confesso que o tenho achado um tanto quanto patético ultimamente. Uma mosca batendo no vidro, insistindo em passar por onde não há caminho.
O repente foi o mesmo de sempre. Perguntas já respondidas, respostas já engolidas, o carinho censurado entediando o espectador. Beijou como sempre a amou: sozinho. Durante três horas tentou fazer-se amado; tempo demais para quem não consegue existir. Ele podia ver nos olhos dela, sentir em sua respiração ofegante, ouvir na frase mal articulada o quanto ela queria estar ali, embaixo dele, e o quanto queria tê-lo bem longe. Londres. Já foi a cidade da saudade para ela, por que não ser também a cidade do alívio? Ele podia fazer isso por ela. Já havia feito tanto...
Deitada do seu lado, nunca esteve tão longe. Aquela mulher para quem ele implorava o convívio pareceu-lhe qualquer outra que não fosse ela, e a culpa com certeza era dele. O primeiro moço, aquele da surpresa e do beijo no ombro, se perdeu na frustração de um momento perdido. Foram-se os olhos bonitos, a respiração cheirosa, a sobrancelha levantando num convite silencioso. O segundo moço é bem menos persuasivo: do ombro curvado à voz embargada, o silêncio gordo que o acompanha não tem medo de durar. Ficou decepcionado por ter jogado fora tudo o que havia preparado dentro de si mesmo. Ele se comprometera a não viver no ridículo novamente, mas parece que o ridículo procura quem merece.
Novo silêncio gordo. Ele só quer ouvir umas palavras... Espera que a moça sentada de costas pra ele recite a poesia que não achou até hoje. "Deita aqui, passou... O seu amor não precisa mais..." Mais o que? Ele nem lembra mais. Está cansado, muito cansado. Não importa, porque ela não vai dizer mais nada, como sempre. Levanta-se, o dia vai amanhecer. Quer ir embora antes que chegue a luz e ele tenha que se ver patético e digno de pena. Corre até a porta, mas não chega a tempo: o caminho até o carro nunca esteve tão iluminado. Segue olhando para o chão, ouvindo as risadas dos que nunca se perderam por alguém. Que da vergonha se faça o ponto que ele tanto procura. O ponto. Um ponto. Qualquer. Sai sem dizer tchau, porque o adeus há muito já foi dito; aquela história já tinha passado do fim.

SAMBA DO AZARADO

Friday, January 13, 2006

Perceba só
que não podes fazer nada por mim:
nasci quebrado, quase preparado
pra dar errado no fim.

Um trovador
onde a palavra tá de cama:
não salva a vida, não bota comida
e não traz quem você ama.

Me escuta princesa, faz a gentileza de não olhar direto pra mim.
Olha o meu estado, tô envergonhado, é triste que tudo tenha que ser assim.
Homem que não suporta vento duro
cai do alto meio de maduro
e estraga no capim.

Seria melhor
se eu não tivesse vindo à tona;
um molambo rasgado, tecido atrasado
dispensado pela antiga dona.

Pra onde vou
pouco importa no momento.
Pego meu violão, um pandeiro, um coração
e pego o rumo do vento.

É da minha natureza, viver na tristeza e perder do que já tenho pouco.
Não me sinto roubado, mas sim destinado a viver da vontade de um Louco.
Sei, não te comovi quase nada
mas se sinta convidada

a chorar do meu sufoco.

SOBRE MÃO NA NUCA E DESENHO

Apaixonou-se, mas não se lembra como; da amizade se fez o presente. Quando começou a reparar naqueles olhos pidões, eles já faziam parte do seu dia-a-dia. E como ele gostava daqueles olhos... Deles saíam milhões de borboletas que entravam nos seus e o faziam tremer do dedão do pé até a pontinha da alma.
Ele desenhava. Com os dedos percorria a pele que nasceu papel em branco. Do ombro à barriga, imagens e capítulos quase que psicografados. Contava histórias que naquela pele poderiam ser todas reais. Ele só queria sentir...
Ela ria. A risada gostosa de quem não tem tempo a perder. Parecia ter nascido de um sorriso! Gostava de se ouvir dizendo o nome dele quase num grito, ou então baixinho, olhando pra saia desarrumada. Queria sentir os dentes dele no seu lábio inferior, mastigando sua vontade de beijar. Mas ela não queria sentir...
Eles dançavam. Juntos. Ela, nos braços dele, sabia fazer voar. O movimento combinado que denunciava o beijo que nasceria tão ritmado. A mão dele buscava a cintura. A mão dela corria para a nuca. O cabelo sempre preso para que nada ficasse entre os dois; o rosto colado fazendo suor. A mente pairava, o corpo já sabia o que fazer. Era só deixar sentir...
Nunca se deram as mãos nem dormiram no abraço, perdeu-se o presente no meio do caminho. Nela ficaram os desenhos, nele um não querer esperar.

PRA SABER QUE CHEIRO TEM

Monday, January 09, 2006

Eu não quero amor pra ver de longe.
Quero amor bem perto
pra saber que cheiro tem,
pra sentir seu bafo quente
e de tão perto ficar vesgo.

Eu não quero amor secreto.
Quero amor de portão,
quero amor combustão,
ter amor beijo-na-chuva,
ser amor frente-pro-mar.

O que sinto não é amor pequeno.
É amor de ser poeta,
é amor de dar seqüestro.
Meu amor lê pensamento,
pede, chora e traz perdão.

Sinto amor que não te espera.
Perde o traço, erra o passo,
mas tem muita ambição.
Vê nos olhos de uma moça
um lugar pra eternizar.

Amor caduco,
amor sem jeito,
amor rasgado, aberto a noites de escuro, pulso e saliva.

Te dou o amor de paz no peito, mas de calor no corpo inteiro.

PARA A DONA DO MEDO

Friday, January 06, 2006

Some,
que eu não quero ter você
turvando o pensamento.
Gritando, articulando, adiando.
Fingindo o coração,
quebrando o sentimento.

Tome,
leve o que não é mais seu
de tanto ignorar.
Mastigando, caçoando, leiloando.
Adquirindo a coloração
de um peito que não pôde voar.

Come,
digere aquilo que perdi
tentando tornar seu.
Misturando, complicando, tropeçando.
Mostrando a perversão
de quem ama o que já morreu.

Monta o cenário da ilusão
e sobre o teu amplo palco torto, cria
o refrão belo, cheio de um falso olhar.

Canta a tua ode ao medo
e no conforto de tua covardia, chora
por ter o aplauso, mesmo sem saber amar.

CARPE DIEM

Tuesday, January 03, 2006

- Vai uma vodka aí? - disse gargalhando a moça deitada ao seu lado, percebendo que Jonas estava abrindo os olhos. Aquela risada atingiu-lhe como tijoladas na cabeça, causando uma dor que se refletia por todo o resto do corpo, trazendo náuseas, vertigens e um gosto horrível na boca; um misto de cigarro (ele não fuma), cueca suada e mais algo amargo que ele não conseguia identificar.
"Sábado", gritava o calendário na cabeceira da cama, acabando por esclarecer a primeira dúvida de Jonas. "A Felicidade torna a vida um manjar de paz, alegria e saúde." Aquele calendário que ganhou da irmã seguidora da Seicho-Noi-ie sempre lhe atirava esse tipo de desaforo na cara. Conseguia, nos primeiros segundos do dia, sentenciar o rapaz a um dia de mal-humor e impaciência. Nem por isso Jonas conseguia jogar aquela porcaria no lixo; não se recusa presente dado com carinho, principalmente carinho de irmã. Bom, era uma coisa a menos para preocupá-lo: não teria que sair correndo para o trabalho. Sem mencionar o fato de que ressaca não se cura perto de patrão enchendo o saco. Nada como o final de semana para recebê-lo de braços abertos como um Engov para curar-lhe a...
- Já vai dormir de novo?! É, você parecia mesmo fora de forma, deve estar exausto! - o deboche continuava. Jonas já havia esquecido da mulher deitada do seu lado, que agora acendia o que parecia ser o seu primeiro cigarro do dia ("ah, o gosto...") e pela primeira vez lhe ocorreu verificar a nova companheira de cama. Era uma mulher maquiada vulgarmente, de um jeito que fazia Jonas lembrar de sua Tia Corina, morta de rubéola. Sua idade era impossível de definir: podia muito bem ser uma jovem muito da acabada ou uma senhora que guardava em si alguns traços de uma distante, porém bela juventude. Jonas precisava de mais alguns minutos para decidir-se. Era loira, ou melhor, estava loira. Via-se sua natureza morena ressurgindo pacientemente de seu couro cabeludo. O nariz era pequeno, delicado e contrastante em relação aos demais traços rígidos do rosto da mulher. Tinha os maiores seios que Jonas já havia visto em toda a vida e percebê-los trouxe-lhe um certo orgulho. Já tinha algo para contar no jogo de sinuca de amanhã. Resolveu voltar aos seios mais tarde e pôs-se a descer a visão até a barriga e depois ao sexo, que tinha os pêlos pubianos cortados de maneira engraçada. Jonas se demorou nos pêlos que lhe mostravam figuras diversas, como nuvens em um dia de ventania. Visualizava um coelhinho no momento em que a voz da moça o trouxe de volta.
- Rapaz, essa vida é curiosa. Um dia você acorda em casa, pensando em viver mais um dia monótono e no outro acorda na cama de um estranho que te encara os pentelhos. Bem, o que há de se fazer, não é mesmo?! - e outra tijolada acertou a cabeça de Jonas. Aquela gargalhada estava começando a irritá-lo.A moça revelou-se pequena. Não combinava com aquela gargalhada irritante e com aqueles seios enormes. Ah, que orgulho daqueles seios! Já tinha algo para contar no jogo de sinuca de amanhã. Tinha uma marca no quadril, aparentemente uma mordida, que Jonas deduziu ser sua. A moça já acendia o seu segundo cigarro quando despertou o rapaz de seus pensamentos mais uma vez.
- Olha, não fique ofendido com a minha brincadeira de agora pouco, viu? Tava só quebrando o gelo... A noite até que foi legal. Você não está fora de forma não! Tem homem, como você, que é mais direto, mas objetivo, só isso. Não perde muito tempo, não é mesmo? Rapaz, essa vida é mesmo curiosa!
A moça levantou-se e começou a se arrumar. Vestiu a saia, o sutiã para sustentar aqueles enormes seios e vestiu também uma blusa rosa; um conjunto surpreendentemente comportado e nada vulgar, apesar da maquiagem. Eram roupas aparentemente caras e fizeram Jonas sentir vergonha de seu quarto barato de pensão. Devia estar muito bêbado para levar uma mulher daquelas para aquele lugar. A moça jogou uma nota de 50 reais na cama e disse que era para pagar o abajur. Pediu desculpas por ser tão estabanada. Jonas não se lembrava de ter um abajur, mas não fez nenhuma objeção. Recebeu um beijo na testa. A moça com certeza era mãe de alguém porque só as mães sabem dar beijo na testa daquele jeito. Ouviu a mulher dizer antes de ir embora:
- Não esquenta não, filhote. A vida já tá escrita, não sobra muito que se fazer. Se você realmente ama essa moça, espera o tempo passar pra ver se lá na frente seus futuros se cruzam no mesmo parágrafo... - a moça fechou a porta do quarto e seus passos foram sumindo pelo corredor da pensão.
Jonas parou um tempo para pensar. Por que mereceu aquele conselho? Mesmo tendo aparentemente decepcionado a moça com suas habilidades na cama, parece que conseguiu conquistar seu afeto. E enquanto levantava para lavar toda aquela noite de seu corpo com uma boa chuveirada, se perguntava quem seria a mulher por quem estava tão apaixonado. Não se lembrava de estar amando alguém. Bom, quem sabe o banho lhe refrescasse a memória ou, em último caso, pediria maiores esclarecimentos à moça maquiada quando esta voltasse para pegar a calcinha esquecida em cima da TV.

AMOR ETÍLICO

Moça
traz
mais
uma que eu não
vou embora
não.
Aproveita
pra
sentar
e deixar eu
pôr
a mão.

Não
se
ofenda,
faz o favor,
perdoa o ébrio
chorão.
Vai me
dizer que
moça
bonita não
tem dor de coração?

Larga a
vida de
bandeja de
servir mesa por
mesa
que eu te
boto no lugar
da minha
dona
da princesa.

Tá sobrando
uma
vaga da que foi
da minha nobreza
mas não tem
vergonha moça
em ser segunda,
dou
certeza.

Volta
logo não
me engana
que já
sou
homem vivido.
Eu já tenho
na
minha ficha
chapéu de corno
e amor
fugido.

Só vou
amar de
pouco em pouco
pra não
ver
amor partindo
Engraçado
a
moça corre
sem me notar

tá me ouvindo?!?!

 
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